São Paulo, sexta-feira, 26 de janeiro de 1996
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'As políticas sociais recebem mais recursos'

Folha - Qual é a sua primeira avaliação do programa-piloto Universidade Solidária?
Ruth Cardoso - O que eu vi até agora é muito dentro do espírito que a gente pretendia para o projeto. As dificuldade existem.
Os vídeos talvez não sejam tão adaptados. Enfim, há várias coisas que a gente pode melhorar. Mas o espírito do projeto -que era de colocar estudantes de outra região para conhecer a realidade do Brasil, ter de enfrentar uma realidade culturalmente diferente daquela em que vivem, também porque eles são de outra classe da população com que vão trabalhar- esse espírito a gente viu que foi muito bem realizado lá (São José de Mipibu, RN).
Quer dizer, o susto dos estudantes gaúchos foi muito educativo. Por outro lado, eles têm o papel de reforçar as ações positivas que estejam sendo realizadas naquele local. Por exemplo, nós fomos visitar aquele bairro...
Folha - Caieras (comunidade rural de Mipibu)...
Cardoso - Era um bairro muito pobre realmente. E o fato de esses estudantes estarem lá, trabalhando com aquela população, dando aula, reforçando certos ensinamentos que os agentes comunitários de saúde fazem -como colocar cloro na água- tem um efeito de legitimação muito importante.
Folha - O que se pensa fazer com o material didático, como vídeos, considerado inadequado para o meio rural?
Cardoso - Esse material, na verdade, foi aquele que nós pudemos coletar, já estava pronto. Como esse programa foi planejado em um curto espaço de tempo para o tamanho da operação, nós não tínhamos recursos nem tempo para produzir vídeos específicos. A continuidade do programa deverá levar a isso.
Folha - Como serão avaliados os resultados do programa?
Cardoso - Para mim, a avaliação é tão importante como foi colocar esse programa no campo, agora entendido claramente como um instrumento para o aperfeiçoamento do programa.
Nós vamos ter um relatório de cada aluno e professor e já mandamos orientação para que tomassem cuidado com as anotações. Teremos também um acesso grande às prefeituras, o que nos permite coletar informações.
Depois, faremos um grande seminário para troca de informações, com pessoas selecionadas e um grupo de acadêmicos capaz de trabalhar isso tecnicamente.
Folha - O Brasil tem 1,6 milhão de alunos só na graduação universitária. Qual a possibilidade de ampliar esse trabalho?
Cardoso - Espero que a gente possa ampliar, mas não para 1,6 milhão, porque aí nós realmente criaríamos um caos no país.
A idéia é que o programa tem de ser ampliado para outras regiões e em número de estudantes. Mas essa já foi uma operação monstruosa, de transportar 1.100 pessoas de todos os Estado para uma região. Também depende muito dos recursos.
Folha - Um dos grande problemas da educação é a descontinuidade dos programas. Qual é a possibilidade de continuidade do Universidade Solidária?
Cardoso - Eu já iniciei esse programa com a idéia de que ele tem de ser contínuo. Se não for, é falha nossa. Eu, inclusive, decidi fazer esse programa-piloto meio assim... E foi uma decisão arriscada. Não estava tudo maduro, pronto, todos os contatos feitos.
A gente definiu uma trajetória e foi andando, trocando pneu, reciclando a coisa. Falar sobre um programa é diferente de ampliar, rever, melhorar. Eu acho que, agora, eu consigo, inclusive, mobilizar recursos muito mais amplos, posso ampliar meus parceiros.
Folha - A sra. acha que os universitários de hoje em dia são mais, digamos, alienados do que os da década de 60 e 70?
Cardoso - Eu acho que esse programa prova o contrário. Tem gente que brigou para entrar no programa. Nós medimos a chamada alienação, entre aspas, com uma medida errada.
Se a gente pergunta sobre política estudantil, é evidente que a de hoje não tem nada a ver com a dos anos 60 ou 70. Então, estar ou não participando disso não é medida de interesse político ou não.
Folha - E o que é?
Cardoso - Eu fiz uma pesquisa sobre jovens estudantes em 1993 e me lembro que os jovens tinham muito interesse pelas questões indígenas, o movimento ecológico, direitos humanos. Isso não é considerado como político. É até um pouco estranho: por que jovens da cidade estão preocupados com a causa indígena? Mas estão.
Agora, se você faz questões sobre partidos políticos, sobre políticos, eles estão desinteressados. Não é alienação política isso, é outra coisa. Eu acho que a juventude atual tem muito interesse por ações. Esse programa atrai porque ele implica fazer alguma coisa concreta.
Folha - As Forças Armadas estão tendo um papel crucial no deslocamento desse pessoal todo. Não é estranho trabalhar com os militares tendo saído do país por causa deles?
Cardoso - Mas são outros militares (risos). Pelo contrário, eu tenho a melhor relação com esses que estão me ajudando. E, aí, vamos dar um certo crédito: o Exército brasileiro tem essa tradição.
Ele pode ter esquecido dela durante algum tempo, mas eles tem essa tradição. O papel dos militares na expansão do país, na questão indígena, foi imenso historicamente. Então, a gente tem de reforçar esse lado da ideologia militar, que é de construção da nação.
Folha - O Bill Gates vai realmente doar os direitos autorais de seu próximo livro no Brasil para a Comunidade Solidária?
Cardoso - Não assinamos o contrato, mas o acordo está feito, de que ele iria doar e queria que fosse um programa educacional, sem especificação.
Folha - A sra. concorda com a crítica de que o governo tem tido pouca ação na área social?
Cardoso - Não, eu discordo inteiramente. Os dados, inclusive, estão aí, estão publicados, porque até então não aparecia muito. O que não quer dizer que o governo não tenha que botar mais empenho nas políticas sociais.
Mas as políticas sociais, tais como estão, todas receberam mais recursos e tiveram melhor desempenho. Quer dizer, aqui na secretaria executiva do Comunidade Solidária, é absolutamente tranquilo.
Folha - A sra. acha que é em outros setores que precisa de mais empenho?
Cardoso - Olha, claro que precisaria mais empenho. Com um país tão complicado, seria idiota eu dizer não. Ninguém considera que está resolvida a questão.
Mas, mesmo neste primeiro ano, houve um desempenho melhor. Foram mais recursos para saúde, para educação. E, uma coisa importante, os recursos foram gastos. Porque o quanto você aloca é uma coisa, e o quanto é efetivamente gasto é outra. Por exemplo, nunca houve tantos assentamentos como agora.
É uma coisa extraordinária. Merenda gastou mais do que tinha e gastou melhor. Na educação, houve toda uma racionalização. O que não houve ainda foi uma renovação de programas. Mas isso tem que amadurecer também. E nisso o Comunidade Solidária está dando a sua contribuição: na crítica aos programas, jogando idéias novas. Folha - Algumas iniciativas do PSDB na área de educação têm sido criticadas por setores organizados da área, como a reforma no ensino do Estado de São Paulo, e, em Brasília, o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Como é que a sra. vê o papel do Estado nessa área?
Cardoso - Eu acho que, evidentemente, é ter uma política. Ter uma política discutida com a sociedade, não uma política apenas gerada dentro do partido e do aparelho de Estado. Agora o Estado tem de ser um diretor de política, ter realmente um papel indutor. E nisso ele vai sempre encontrar reações corporativas.
Mas, posto que nós não somos um Estado corporativista, eu acho que não podemos colocar isso como uma oposição.
Folha - Como assim?
Cardoso - Valorizar o ensino básico, por exemplo, é uma medida de consenso. Agora, para isso, os professores, como corporação, querem que se garanta um piso salarial de não sei quanto. Isso não foi garantido, mas houve uma política de garantir aumentos de salário, que é um reconhecimento de que os salários são baixíssimos.
A política implica isso, a definição clara de objetivos que realmente produzam algum benefício.
Folha - Nesse sentido, a sra. acha que se deve acabar com a aposentadoria especial para os professores universitários?
Cardoso - Eu sou inteiramente a favor. Eu acho que isso é, inclusive, uma questão, de fato, de analisar corretamente que essas aposentadorias são um tremendo privilégio em um país tão desprivilegiado como o nosso. Não só dos professores universitários -porque talvez nem sejam os mais escandalosamente privilegiados, pois ganham mal a vida toda. Mas eu acho que a aposentadoria especial não pode ser mantida à medida que mantém essa situação de que quem está trabalhando mesmo está sempre ganhando muito mal. O lençol é curto.
Folha - Como a sra. vê a tese da reeleição?
Cardoso - Eu sou a favor de que a Constituição permita a reeleição. Já era anteriormente. Acho que, agora, não é o momento de discutir isso, e não tenho qualquer pretensão de que o Fernando Henrique seja reeleito. Realmente, eu acho que, para mim, seria difícil.
Folha - E a continuidade do projeto de governo?
Cardoso - Mas esse projeto pode continuar com outra pessoa. Eu realmente tenho espírito republicano e democrático. Eu acho que a sequência dos governos não implica necessariamente o rompimento das diretrizes. Eu espero, se a gente tiver um bom desempenho, que o governo que virá siga fazendo as mesmas coisas que a gente está fazendo. E a gente pode ajudar.

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