São Paulo, sábado, 27 de janeiro de 1996
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Prática de eutanásia recebe atenuantes e penas reduzidas

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A discussão sobre a eutanásia -morte sem sofrimento- ainda é tabu no meio jurídico e médico. Envolve questões éticas e filosóficas profundas. Apesar disso, o mundo tem evoluído na forma de encarar o ato de proporcionar uma morte sem dor a quem sofre de doença incurável e atroz e cuja morte é iminente.
A tendência mundial é considerar a eutanásia um homicídio privilegiado -comumente tem sido chamado de homicídio piedoso ou misericordioso-, portanto, que admite redução da pena e, em alguns países, até o perdão judicial. "Quase sempre os tribunais, embora condenem o autor da eutanásia por crime de homicídio, têm atenuado suas decisões, sob o fundamento de que o réu agiu por piedade e compaixão", lembra Antônio Chaves, ex-diretor da Faculdade de Direito da USP.
No Brasil, a lei não disciplina a eutanásia. Por isso, ela enquadra-se ma definição de homicídio simples, cuja pena é de 6 a 20 anos de prisão. E, embora a jurisprudência seja escassa e contraditória, já há alguns casos em que a eutanásia é considerada homicídio privilegiado, admitindo redução de um sexto a um terço da pena.
"São poucos os casos de eutanásia que chegam à Justiça, mas nos mais recentes ela tem sido admitida como homicídio piedoso, o que permite uma punição menor. A pena pode ser reduzida de seis anos de prisão para quatro", exemplifica Luiz Flávio Gomes, juiz da 26ª Vara Criminal de SP.
Por outro lado, os códigos de ética médica são contrários à eutanásia. Geralmente estabelecem que em nenhum caso o médico, mesmo que solicitado pelo paciente ou pela família, deve adotar meios que abreviem a vida do doente. No Brasil não é diferente. O artigo 66 do Código de Ética Médica veda ao médico utilizar, em qualquer caso, "meios destinados a abreviar a vida do paciente". José Maria Marlet, professor de Medicina Forense e Criminologia da USP, afirma que é preciso regulamentar a eutanásia para evitar abusos e ilícitos penais. Para ele, a eutanásia só poderia ser praticada depois de uma perícia psiquiátrica capaz de avaliar a capacidade de entender e de comportar-se do paciente. Além disso, seria também necessária a opinião de uma junta médica a respeito da irreversibilidade do processo patológico, além do pedido escrito ou perante testemunhas idôneas do interessado. "A eutanásia é uma questão de humanidade. Embora não codificada em lei, ela constitui-se em um direito natural da pessoa. É um direito a uma morte digna, sem sofrimento, quando não há qualquer possibilidade de recuperação comprovada por uma junta médica", interpreta Antônio Chaves.
A questão envolve o conceito de indisponibilidade e inviolabilidade da vida. Para os mais conservadores, a vida é um bem jurídico indisponível, portanto de nada vale a vontade do doente. Mas a vida, como todos os outros bens jurídicos, tem valor relativo. "Uma prova disso está no aborto permitido para salvar a mãe. Entre a vida da mãe e a do feto, o Código Penal privilegia a da mãe. Em condições excepcionais, o valor vida cede diante de outros valores. Na eutanásia, o valor dignidade humana -que é morrer sem dor- conflita com o valor vida: morte digna ou permanecer vivo, com dores, sem perspectivas de melhora? Essa decisão, cabe ao doente tomar", argumenta Gomes.

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