São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Viola e mercado

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Se o sóbrio prefeito do Rio de Janeiro utilizou indevidamente verbas públicas na festa de réveillon de sua cidade é de se investigar, mas a polêmica que se criou em torno dos cachês pagos pela Pepsi-Cola, no show do dia 31 de dezembro, beira a cretinice.
Tudo começou quando Paulinho da Viola procurou a imprensa para dizer que recebera a quantia de R$ 30 mil contra os R$ 100 mil pagos aos outros artistas que participaram do espetáculo em homenagem a Tom Jobim -Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Gal Costa.
A diferença -reforçada pela "denúncia" (que se provou falsa) de que a produtora Gilda Matoso teria prometido pagamentos idênticos, ludibriando o compositor- foi o suficiente para que jornalistas, críticos e leitores mergulhassem em histeria e indignação.
Um igualitarismo suspeito, para não dizer hipócrita, logo dominou a cena, como se a simetria salarial fosse a regra nos mais diversos ramos da atividade remunerada.
"Que insulto, pagar menos a Paulinho!" -babava-se pelos bares e redações. Como se editores de jornais, melhores, iguais ou piores, ganhassem todos a mesma quantia; como se colunistas, melhores, iguais ou piores, tivessem o mesmo contracheque; como se todos -entre eles os caros leitores- fizessem parte de uma sociedade centralizada e igualitária, que distribui equanimemente as rendas entre seus cidadãos.
Fosse a Baby Consuelo ou a Gretchen, e todos achariam normal a diferença. Ficariam, provavelmente, alarmados com a "falta de critério" caso elas recebessem os mesmos R$ 100 mil.
Mas não, era o Paulinho da Viola! Carioca, cara de bom-moço, elegante como um príncipe -que é. E Paulinho tem uma obra, afinal, comparável à dos outros! Por que, então, ganhar menos? Por ser preto? (Não, porque Gil e Milton também são). Por ser do samba? (Não, porque tem muitos sambistas enriquecendo). Ora, por que então? Só pode ser má-fé -apressaram-se alguns críticos.
Bem, pode-se discutir se a obra de Paulinho é tão importante quanto a de Caetano e Chico -ou se a de Gil é superior à de Milton. Ou se todas se equivalem. Mas, como diz o clarividente comentarista Juarez Soares, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa": uma é o suposto valor cultural da obra, outra, bem diferente, é o valor do artista no mercado do show-business. Nem sempre os dois valores caminham juntos.
A "obra" musical de Chitãozinho e Xororó, por exemplo, é, na minha modesta opinião, menos importante do que a de Luis Melodia -o que não impede que a dupla sertaneja cobre cachês muito mais elevados pelo Brasil afora.
O óbvio ululante, recalcado na discussão, é que Paulinho, ao menos neste momento, vale muito menos no mercado do que seus colegas de homenagem a Tom Jobim. Qualquer empresário ou dono de casa de espetáculos sabe que isso é verdade.
Paulinho vale menos por razões simples: atrai menos público, está há anos sem gravar e não tem nenhum sucesso na praça -circunstâncias que se agravam com a gestão pouco profissional de sua carreira.
Não há, portanto, nenhum motivo para que receba o mesmo cachê de artistas com mais platéia, carreiras sólidas e melhor administradas -salvo se produtores e patrocinadores desejassem se comportar como mecenas totalmente alheios à realidade do mercado. O resto é mar.

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