São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Melhor jogador mundial quer Presidência

RICARDO SETYON
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM JOHANNESBURGO

Nada ou ninguém pode ser mais importante no futebol do que ele nestes dias. O liberiano George Manneh Weah é, a um só tempo, o melhor jogador da África, da Europa e do mundo, prêmios recebidos por sua atuação em 95.
Isso lhe dá um status especial na Copa da África de Nações, que está sendo disputada em território sul-africano. Isso inclui até três seguranças, que o separam do assédio de fãs e imprensa e cuidam de sua proteção pessoal.
A palavra-chave para chegar até ele foi Brasil. "É de lá que vêm meus amigos Raí, Valdo e Ricardo Gomes. Aprendi muito com eles no Paris Saint-Germain. Aprendi a sorrir e a sambar. Aprendi porque são os melhores do mundo."
Weah, 29, começou sozinho a conversa, aproveitando para dar seus dados pessoais: "Me chamam Weah, tenho o apelido de Opoong (súper, em língua local) e nasci em 1º de outubro de 1966, em Monróvia, capital da Libéria."
Pela Copa da África, amargou a desclassificação logo na primeira fase. Era a primeira vez que seu país disputava a competição mais importante do continente.
Agora ele está de volta ao Milan, time que paga seus US$ 2 milhões de salário ao ano. "Lá ninguém sabe o que é não ter comida por uma semana e jogar futebol com uma lata de refrigerante", comenta, lembrando-se da infância.
Após crescer em uma família pobre, com 14 irmãos, Weah jogou no clube liberiano Invencible Eleven, para depois ir para Camarões, até que, em 1988, transferiu-se para o Monaco, onde jogou quatro temporadas.
Depois da passagem de três anos pelo Paris Saint-Germain, acabou comprado pelo Milan, da Itália, no início desta temporada.
Dias atrás, Weah foi recebido em seu país por 200 mil pessoas.
*
Folha - Quantas entrevistas um jogador famoso como você tem que dar no dia-a-dia?
George Weah - Não muitas. Quero manter minha vida privada. Não gosto de falar de mim mesmo o tempo todo. Todos querem saber sempre demais.
Folha - A próxima pergunta pode não ser agradável. Como foi jogar na Europa, sabendo que sua família corria risco de vida durante a guerra civil da Libéria (1989-95)?
Weah - Quando a guerra começou, já estava no Monaco, da França. Estava preocupado, e as coisas só pioravam em meu país.
Foi difícil jogar, dando alegria aos torcedores de meu time, sem saber se minha família estava viva. Era difícil até ter notícias, já que minha família não tinha telefone.
Foi um pesadelo. Mas agora a situação melhorou. Minha mãe mora em Acra, em Gana, onde comprei uma casa para ela.
Folha - E mesmo naquela circunstância de guerra você continuava a jogar bem. Como conseguia isso?
Weah - Não tinha outra escolha, porque, se não me concentrasse no jogo, sofreria ainda mais. Não podia abaixar a cabeça. E ainda tinha que me preocupar em manter a imagem de meu país e de meu continente na Europa.
Folha - Alguns jornalistas esportivos criticaram sua escolha como o melhor do mundo. Dizem eles que você, por não ter disputado uma Copa, não merecia, e que o título seria para promover a Copa da África.
Weah - Agora que meu país está livre, eu me sinto livre para criar e jogar melhor. Posso jogar por minha seleção. Não me importo nem um pouco com as críticas aos títulos que recebi, porque os torcedores gostam do meu estilo e dos meus gols. Sei do que sou capaz com a bola nos pés.
Folha - Você é muito seguro e autoconfiante.
Weah - Pouca gente sabe, mas eu sempre lembro das minhas raízes humildes. Fui técnico de uma companhia telefônica na Libéria por dois anos. Eu ganhava US$ 75 por mês. Estudei por 12 anos, sem nunca repetir. Logo depois, fui jogar em Camarões.
Folha - O futebol foi sempre seu esporte predileto?
Weah - Desde os quatro anos eu chutava latas de refrigerante. Tinha também uma bola feita de barbante. Mas tenho um segredo: sempre joguei basquete.
Folha - Na sua infância, você assistia na TV às partidas de futebol internacional?
Weah - Não tínhamos televisão em casa, mas sempre aparecia alguém com uma TV preto e branco. Nela, assistíamos às Copas.
Folha - Quem era seu ídolo?
Weah - Um e único: Pelé. Queria ser ele, me movia e comportava como ele. Pelé não jogava, flutuava. Eu disse, de brincadeira, para os meninos que jogavam comigo para me chamarem de Pelé.
Depois, foi muito importante ver no vídeo jogadores como Beckenbauer, Cruyff e Van Basten.
Folha - Você já se encontrou com Pelé?
Weah - Sim, várias vezes. A primeira foi em uma competição de juniores. Eu cheguei a entrevistá-lo para a televisão francesa. Foi uma alegria quando ele me disse: 'Você tem tudo para ser o melhor jogador africano. Depende de você, manter a imagem do continente negro'. Fiquei muito orgulhoso.
Sempre torci para o Brasil. Se jogasse a Libéria contra o Brasil, não saberia para quem torcer.
Folha - Você é considerado a principal personalidade em seu país. É verdade que muitos liberianos querem você como presidente? Aceitaria concorrer?
Weah - Sim. Muita gente pensa que eu seria o homem justo para o cargo. Se eles me querem como presidente, respeitarei a sua vontade. Eu educaria por meio do futebol, do esporte.
Folha - Mas, primeiro, você tem mais alguns anos de futebol.
Weah - Tenho quatro ou cinco anos pela frente. Quero ainda jogar no Maracanã e participar de uma Copa do Mundo.
Folha - Você é um homem rico. Não tem medo de sequestro?
Weah - O que fariam comigo? No máximo, teriam um futebolista famoso morto nas mãos.
Folha - Em que investe seus lucros com o futebol?
Weah - Somente propriedades, terrenos. Tenho alguns apartamentos e casa em vários lugares do mundo. É o melhor que posso oferecer a minha família. Nova York, África e Europa.
Folha - Você já teve problemas com o racismo?
Weah - Eu nunca tive problemas, mesmo sabendo que existe racismo no futebol do mundo inteiro. Alguns torcedores gritam para os jogadores negros, imitando o ruído dos macacos. Eu não ligo. Os ignorantes continuam a gritar besteiras por detrás dos alambrados, nunca face a face.
Folha - Por que você critica o fluxo de jogadores africanos rumo à Europa?
Weah - Deve haver um modo de desenvolver esses jovens, para que eles cheguem ao futebol europeu já amadurecidos. Não se deve fazer negócios com empresários estranhos. Muita gente não sabe, mas eu sou dono de um time de futebol do campeonato liberiano. A partir desse time, vou enfrentar esse problema concretamente.
Folha - É verdade que você ajudou economicamente a seleção da Libéria?
Weah - Fiz o que era necessário para que o time estivesse na Copa da África. Paguei muitos gastos da seleção, passagens e outra coisas.
Folha - Você costuma rezar nas comemorações de seus gols. Você é religioso?
Weah - Sou muçulmano, mas ainda não fiz minha peregrinação a Meca (cidade sagrada na Arábia Saudita, onde teriam sido feitas revelações a Maomé).
Folha - Já teve contato com clubes e empresários japoneses?
Weah - Sei que o pessoal do Nagoya Grampus quis comprar meu passe, mas o Milan não aceitou. Acredito que as equipes japoneses vão deixar de só contratar sul-americanos. Eles, como os europeus, verão que os africanos são excelentes jogadores.
Folha - Com o tempo ocupado em jogar, investir dinheiro, praticar sua religião e em seu próprio clube de futebol, sobra tempo para algum hobby?
Weah - Adoro jogar cartas com minha família. E, claro, ouvir muita música. Bob Marley é um herói para mim. Sua música é um símbolo de liberdade para o povo negro do mundo. Além do reggae, gosto de músicas rítmica. Já ouvi muito samba, graças aos meus amigos brasileiros. Adoro dançar.

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