São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996 |
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Figura do autor foi tão célebre quanto obra
OLIVIER SCHMITT
Esse autor, um dos mais importantes do século, morreu evidentemente muito cedo, antes de ter escrito a peça que mais lhe interessava, o diálogo entre Hitler e Stálin em plena batalha de Stalingrado. Também teria desejado encenar "Macbeth" na cobertura do World Trade Center de Nova York, para um público de helicóptero... Graças a esse tipo de declarações burlescas, costumou-se qualificá-lo de "pós-moderno" -justo ele, que desconfiava do ecletismo como de todos os "ismos" que amarguraram sua vida. Sua figura tornou-se quase tão célebre quanto sua obra. Ele a burilou com esmero, tomando emprestado a Antonin Artaud o aspecto cavo das faces, a Bertolt Brecht um eterno charuto cubano. Amava as mulheres, o uísque, o texto escrito e o discurso público. Exercia sua ascendência sobre o palco e fora dele, por meio de entrevistas e colóquios aos quais certas vezes deixava de comparecer... Por toda parte reunia uma pequena multidão fervorosa, pronta a todo tipo de devoção. Até a queda do Muro ele foi considerado, em seu prejuízo, como um "autor do Leste", satirista incansável do stalinismo; esperávamos dele informações, testemunhos e críticas: a luta por uma nova moral do trabalho nas fábricas ("O Achatador de Salários"), o problema das normas e dos rendimentos ("A Retificação"), a reforma agrária ("A Emigrante")... Mas eis que um belo dia o Muro caiu. Heiner Müller tornou-se "o escritor maníaco do Muro, obrigado a trancafiar sua caixa-forte", uma vez que continuou a fazer oposição, predizendo à "Alemanha unificada" seus piores tormentos. Enfim, ele aparece como realmente é: um autor. Imenso. Por suas releituras fascinantes dos grandes clássicos, gregos e latinos, por suas peças, por seus poemas, por seus contos ele se instalou -e nós com ele- no pós-Brecht, no pós-Beckett, no pós-Genet. Uma linguagem nova, obsessiva, abecedário erudito da destruição, quer fosse baseada nos mitos, como o de Hamlet, que o perseguiu durante mais de 30 anos ("Hamletmachine"), quer na história, particularmente a da Alemanha. Lembramos hoje a última frase de Merteuil em seu "Quarteto", inspirado em Laclos: "Agora estamos a sós, câncer, meu amor" -um mal sem remédio, que destrói, prolifera. Tradução de JOSÉ MARCOS MACEDO Texto Anterior: O mundo da utopia Próximo Texto: A arte de fazer os mortos falarem Índice |
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