São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Como encontrar um milagre na Índia

GILBERTO DIMENSTEIN

Peregrinos e doentes buscam a salvação em templos que praticam o exorcismo em Kerala, ao sul da Índia. Garanto: naquela região se operam, de fato, milagres que salvam vidas diariamente.
Os "milagres" nada têm a ver com deuses ou demônios. Apenas com homens, responsáveis por uma das mais admiradas experiências sociais já produzidas num país pobre. Como o resto da Índia, Kerala é miserável, sua renda por habitante é de US$ 300,00 por ano - menos dez vezes do que a brasileira e cem vezes se comparada com a americana.
Primeiro "milagre" num país de 900 milhões de habitantes com explosivo crescimento populacional: cada mulher tem apenas dois filhos (1.7 para ser mais preciso), uma média semelhante a um casal de classe média ou alta em Manhattan, Paris, São Paulo ou Rio de Janeiro.
Segundo e mais importante: de cada mil crianças que nascem apenas 13 morrem antes de completar um ano. Um nível semelhante ao dos Estados Unidos e quatro vezes melhor do que o Brasil.
Até pouco tempo Kerala era mais conhecida na Europa e Estados Unidos por suas praias, onde os turistas descolados deitavam na areia depois do banho, massageados por moradores que aprenderam de seus ancestrais os segredos da massagem ayurvedica, medicina tradicional indiana.
Agora, porém, atrai tipos menos transcendentais da Europa e Estados Unidos, decididos a entender e difundir a experiência sobre como um lugar miserável consegue indicadores sociais tão bons.
As pesquisas indicam, em essência, um caminho: graças a vontade política dos governantes locais, em nenhum outro lugar da Índia se investiu tanto na educação das mulheres. Uma ação que enfrentou a rotina da marginalização. Na Índia, por questões culturais, se propagou o infanticídio contra meninas praticados pelos próprios pais.
Em Kerala, apenas 5% das garotas estão fora da escola, reduzindo a porcentagens insignificantes o analfabetismo - porque elas são mais educadas, entram no mercado de trabalho, frequentam postos de saúde, amamentam os filhos, conhecem noções de higiene, sabem a importância, por exemplo, de ferver a água ou aplicar as vacinas, planejam voluntariamente o número de filhos.
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Daí se vê o que significou no Brasil termos gasto tanto dinheiro para a construção de hospitais ao invés de investir mais pesadamente em medicina preventiva - muitas dessas obras só ajudaram a saúde financeira dos empreiteiros.
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A Índia é um museu vivo de antropologia tantos os costumes. Nenhum deles me impressionou mais do que os praticados pelos Shaivites, uma seita radical do hinduísmo, que se educam para extirpar qualquer resquício de desejo físico.
Para não dizerem que estou mentindo, as fotos estão à disposição para qualquer turista -aliás, conheci um dos fotógrafos que registrou as cenas.
Desde criança, os Shaivites são treinados a envolver o pênis com um pano, enrolado numa corda amarrada na outra ponta a uma pedra. A medida que crescem, vão levantando pedras cada vez maiores.
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PS - A propósito dos Shaivites, suspeito que uma das razões por que Fernando Henrique Cardoso viaja ao exterior, além de massagear seu ego e o prazer dos contatos com a elite internacional, é aumentar a platéia de pessoas dispostas a rir de suas piadas e comentários de gosto duvidoso: Diplomatas e assessores palacianos têm o dom da gargalhada profissional.
Na China, ele fez um brinde ao "mulherio". Levou um pito de Ruth Cardoso. Aqui, num descontraído jantar, fizeram comentários sobre as cobras que se levantam ao som da flauta.
"Esse negócio de cora se levantar é um perigo", comentou, arrancando a gargalhada profissional.
Foi salvo pela providencial ausência da feminista primeira-dama que, óbvio, não teria ouvido calada.
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Piadas à parte, Fernando Henrique Cardoso marcou um avanço diplomático ao aproximar o Brasil da Índia. É corretismo projetar o país exterior, tentando abrir mercados, afastar desconfianças. Ainda mais relevante quando se busca a aproximação com a Ásia, a economia que mais cresce no mundo.
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Criticar um governante porque faz diplomacia direta é um isto de provincianismo com falta de assunto. Abrir mercados e garantir empregos está na função dos homens públicos.

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