São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Franco mutilou filme depois da derrota alemã na Segunda Guerra

El País
De Madri

RAMIRO CRISTÓBAL

No dia 5 de janeiro de 1942, estreou no cinema Palácio da Música, em Madri, uma das mais caras e sofisticadas superproduções do cinema espanhol do pós-guerra. Era o filme "Raza" ("Raça"), dirigido pelo jovem diretor mais promissor da época, José Luis Sáenz de Heredia, e interpretado por vários dos mais brilhantes atores do cinema espanhol: Alfredo Mayo, Ana Mariscal e José Nieto.
Era o Estado gastando para mostrar ao mundo os motivos morais e ideológicos que haviam levado os militares a dar um golpe de Estado contra a República. O argumento do filme seguia a trama de um romance do mesmo título de Jaime de Andrade, pseudônimo do então todo-poderoso general Franco, ditador da Espanha.
O filme fez sucesso. Chegou a participar do Festival de Veneza, durante o governo de Mussolini. Apesar disso, sete anos depois o próprio Ministério franquista da Propaganda Política mandou modificar a versão original às pressas. Quase seis minutos do filme foram cortados e muitos diálogos foram modificados. Para que não se notassem as mudanças nas vozes, todos os diálogos foram reproduzidos pela equipe de dubladores da Metro Goldwyn Mayer.
Mas a operação teve um significado muito mais profundo do que se poderia pensar: a vitória dos aliados na Segunda Guerra e a derrota do fascismo levaram as autoridades da época a realizar uma série de mudanças em um filme que, de certo modo, vinha a ser o verdadeiro programa político filmado do próprio chefe de Estado.
Para começar, foram suprimidos todas as alusões às saudações de braço erguido. A grande perdedora na operação foi a Falange, o partido fascista espanhol.
A seguir, uma mudança ideológica significativa foi imposta à ação. A rebelião dos militares espanhóis não mais teria sido contra um regime democrático legalmente constituído, mas sim uma dolorosa e forçada reação patriótica contra o imperialismo comunista.
Foram eliminadas todas as alusões aos EUA e aos outros países ocidentais vencedores da guerra. Também foram eliminados todos os diálogos agressivos e irônicos contrários à democracia, ao liberalismo e à maçonaria.
Fazer tudo isso sem desvirtuar completamente o argumento original não era fácil.
O filme tem uma primeira parte de quase meia hora situada no final do século passado, ocupado em sua maioria pelas conversas dos militares golpistas e a guerra de Cuba contra os EUA. Os cortes impostos a essa primeira parte foram tremendos. A seguir, quando a ação passa para os anos 30, os cortes são menores.
Ao que parece, a primeira versão foi destruída depois de feitas as mudanças na segunda. Mas algumas versões originais continuaram em mãos de particulares ou de projecionistas ambulantes.
Em 1993, surgiu uma cópia completa, em bom estado, da versão de 1941. Para o historiador Ferrán Alberich, são dois filmes diferentes, tanto por seu conteúdo ideológico quanto pelas mudanças cinematográficas impostas.
É evidente que a primeira versão foi feita para glorificar a Falange, o que não deve ter alegrado Franco, que já se desfazia de um concorrente tão perigoso ao poder.
A segunda versão deve ter sido encorajada por integrantes da nova onda franquista, disposta a aceitar a liderança americana e tentar negociar, em alguma medida, o Plano Marshall.

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