São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Mundo cruel

O presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, está assumindo um papel importante no tabuleiro político nacional ao acertar com o governo o acordo que deverá permitir alterações no sistema de Previdência Social.
Se, de um lado, Vicentinho despertou a ira dos setores mais radicais do PT e da própria CUT, de outro mostrou uma independência e um jogo de cintura insuspeitados.
Ainda é cedo para prever o desfecho do episódio, mas parece correto afirmar que, se não surgirem novos percalços pelo caminho, ao menos aos olhos da sociedade como um todo Vicentinho sairá vitorioso dessa sua empreitada.
Em primeiro lugar, ele terá rompido a imagem de liderança sindical intransigente e sectária. Firmar-se-á como líder político e interlocutor dos trabalhadores diante do governo. Contribuirá para retirar da CUT a balda de organização que apenas promove greves e tudo faz para desestabilizar o governo.
Resta inquirir por que o líder da CUT decidiu tomar uma tal atitude. Em primeiro lugar, uma central sindical, por tratar diretamente com o setor produtivo, precisa ser mais realista do que um partido político, sempre livre para devanear.
Vicentinho sabe muito bem que o avanço tecnológico e a globalização da economia são um vagalhão que afogará muitos empregos e conquistas históricas dos trabalhadores. Ceder um pouco para não perder mais do que o estritamente necessário é, assim, um imperativo.
Pode-se afirmar que o acordo entre a CUT e o governo representaria um marco nas relações entre trabalhadores e governo. Não tanto pela vontade política dos atores, mas mais pelos ditames de uma dura nova realidade no mercado de trabalho, é possível que surja um novo sindicalismo, menos propenso a greves e mais dado à negociação; o governo, por sua vez, terá de ver nas agremiações de classe um interlocutor na crudelíssima tarefa de equacionar os desníveis sociais provocados por uma realidade de mercado em clara transformação.
Não se vive, é óbvio, o melhor dos mundos possíveis; isso, porém, não é razão para abraçar o inferno.

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