São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Genocídio linguístico

São faladas hoje no planeta cerca de 6.000 línguas, contudo, apenas cinco delas (chinês, inglês, espanhol, russo e hindi) já são o idioma de metade da população da Terra. Somando-se outras cem línguas tem-se o meio de expressão de 95% de todo o mundo. O restante é falado apenas por pequenos grupos.
Reportagem da revista britânica "New Scientist" de 6/1 informa que 1/3 das línguas do planeta estão em perigo iminente de extinção. O aore, por exemplo, hoje conta com um único falante que vive numa remota ilha na mais remota Vanuatu.
Se Fernando Pessoa está certo ao afirmar que a língua é uma pátria, existem pelo menos 90 pátrias na Etiópia; muitas delas estão morrendo. Embora seja comum para um etíope dominar seis ou sete idiomas, o ongota conta hoje com 19 falantes; elmolo, seis; e os dois últimos conhecedores do gafat morreram de resfriado quando um linguista os retirou da floresta e os levou às terras altas.
A morte de idiomas não é um fenômeno novo, mas vem-se acentuando nessa nova era globalizada. Acredita-se que o pico de diversidade linguística tenha ocorrido há 15 mil anos, quando 10 mil línguas eram faladas por uma população 500 vezes menor que a atual.
Resta saber se faz algum sentido procurar manter vivas essas línguas moribundas. Para alguns, não. O magnata das comunicações Rupert Murdoch considera que a homogeneização da linguagem traz ganhos de eficiência e paz para o mundo.
Os linguistas evidentemente não pensam assim. Para eles, cada língua encerra em si uma forma única de perceber e pensar o mundo. Alguns mais radicais chegam a afirmar que a língua determina o modo de pensar de cada indivíduo.
Há até quem afirme que a língua chega a provocar alterações morfológicas no cérebro. Bebês são capazes de distinguir todos os sons, mas um falante de japonês adulto perde a capacidade de diferenciar o "la" do "ra"; assim, haveria uma diferença entre os cérebros dos falantes de japonês e os de outros idiomas.
Talvez a posição mais sensata seja a defendida pelo linguista Einar Haugen, norte-americano filho de imigrantes noruegueses: tornar-se bilíngue. Para ele, é preciso haver uma língua materna com a qual se possa "viver e amar" e uma outra de comunicação mais ampla, com a qual se possa "sair pelo mundo".
Nesse ponto, pobre do Brasil e de seu sistema de educação. Embora o português não esteja entre as línguas ameaçadas de extinção, ele é cotidianamente assassinado por uma escola que não ensina. E, se são poucos os que têm uma língua para amar, é ainda menor o número daqueles que conseguem aprender inglês para sair pelo mundo.

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