São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Governo enxuto: uma necessidade

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Não sou nenhum fanático pelas idéias de Milton Friedman, embora respeite a sua inteligência e a sua força de argumentação. Há nele, entretanto, uma análise que me fascina.
O grande prêmio Nobel de Economia defende a idéia de que a maior parte dos problemas sociais dos Estados Unidos, tais como a deterioração da educação, o encarecimento da saúde, a elevação da criminalidade etc., é produzida por ações "bem-intencionadas" dos governantes.
Essa causalidade, diz o velho mestre, é fácil de documentar. O difícil é entender "por que" o governo é o problema. Num pequeno ensaio publicado em 1993 ("Why Government is the Problem") ele mostra que, no setor público, o desperdício de recursos é a norma, sendo sempre mais grave do que a escassez dos mesmos.
E isso acontece não porque os burocratas e os legisladores são más pessoas, mas, simplesmente, porque existe uma enorme diferença entre os interesses dos indivíduos quando eles se engajam em ações públicas ou ações privadas. Essa diferença é tanto mais acentuada quanto menor é o controle do povo sobre os governantes.
Se a causalidade é essa nos Estados Unidos, que têm uma democracia madura, vários sistemas de controle e um povo bem educado, o que dizer do Brasil onde tudo isso é ainda incipiente? Para quem pretende pesquisar o desperdício, nosso país é um laboratório exemplar.
Os estudos do Banco Mundial sobre a saúde e a educação no Brasil têm demonstrado "ad nauseam" que o problema não está no fato de o governo gastar pouco nessas áreas, mas, sobretudo, no de gastar mal.
A crise não é só nossa, é verdade. O próprio Friedman reconhece que ela se tornou gravíssima nos Estados Unidos -onde a dívida pública corresponde a um endividamento familiar de quase US$ 100 mil.
Nesse campo os americanos têm pouco a ensinar. No campo da saúde, igualmente, o sistema americano não é para ser seguido. Em 1960, os Estados Unidos gastavam US$ 27 bilhões com a saúde. Em 1993, isso saltou para US$ 898 bilhões -um crescimento de 11,2% ao ano.
E, hoje, está beirando a casa de US$ 1 trilhão! Se houvesse recursos sobrando, tudo bem. Afinal, nada vale mais do que a saúde. Ocorre, porém, que os gastos com saúde crescem duas vezes mais rápido do que o PIB.
O avanço das fraudes é igualmente preocupante. Detectou-se um conluio doloso entre clientes, médicos e farmácias.
O mecanismo é simples: um médico do "Medicaid" (que corresponde aproximadamente à nossa assistência social) receita um remédio desnecessário para um cliente; este "vende" a receita à farmácia por um preço irrisório e esta cobra do governo o preço real, podendo ainda comercializar o produto no câmbio negro, com ganhos adicionais. São milhões e milhões de dólares que vêm sendo desviados dessa maneira.
De tudo isso se aprende a lição de que quanto mais governo, mais chance de desperdício e maior possibilidade de corrupção. A prevenção desses problemas exige um enxugamento das burocracias, um aumento de sua produtividade e uma maior participação da sociedade. Se os cidadãos tivessem estímulos para realizar parte da tarefa que hoje se atribui ao Estado, certamente o desperdício seria menor e os resultados seriam melhores.

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