São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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O espírito da coisa

DALMO MAGNO DEFENSOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

No dia 19 de janeiro, o roteiro de "Arquivo X" fugiu ao mote habitual da série, que são os extraterrestres e assemelhados.
O episódio "O Fantasma da Máquina" chamou-me a atenção por ter o mesmo título de um disco do Police e por abordar um assunto de interesse tão universal quanto religião e dinheiro: computadores.
Naturalmente, para dar uma canseira nos matreiros detetives Fox Mulder e Dana Scully, o computador da história não poderia ser uma dessas máquinas primitivas, tão comuns nos escritórios quanto as garrafas de café, porém de conteúdo menos perigoso; é um senhor computador, e dos mais sabidos.
O prédio da Eurisko, gigante americana da área de software, é inteiramente gerenciado por um único computador.
Utilizando o protótipo de um programa chamado "Sistema de Operação Central" (SOC), criado por Brad Wilczek, fundador da Eurisko, a máquina controla sozinha a portaria, garagem, telefones, ar condicionado, sistema hidráulico, elevadores e tudo o mais.
O SOC pertence ao mundo futurista da inteligência artificial, pois o computador não se limita a executar tarefas pré-programadas: enquanto trabalha, aprende, e toma decisões segundo os critérios que vai formando.
O principal projeto da empresa, e que vem custando os olhos da cara, é o desenvolvimento de uma versão comercial do SOC.
A pedra no sapato de Wilczek é seu sócio, Benjamin Drake, que, como qualquer pessoa sensata, tem aversão por projetos caros e de eficácia duvidosa.
Drake assume as rédeas da empresa, e sua primeira providência é cancelar o projeto. Se conhecesse "Nu Com a Minha Música", de Caetano Veloso, ele diria que o SOC é uma vertigem visionária que não carece de seguidor.
Wilczek fica furioso com o cancelamento do projeto, e, admirável mundo novo, o computador do prédio também.
Sim, senhora: o bicho se desenvolveu tanto que ficou consciente, assumindo-se como espírito em um mundo material (Police, de novo). Ora, da consciência para o instinto de autopreservação, é um pulo.
Dão a maior dor de cabeça, quando têm personalidade, esses computadores de pós-última geração que controlam prédios.
Como qualquer criança ou adolescente, eles se julgam donos de seus narizes, só que não podem ser dobrados com palmadas, chantagem emocional ou corte de mesada; e tampouco adianta chamá-los pelo none completo e dar uma bronca.
Diz-se, até, que computadores inteligentes, quando contrariados, podem cair matando -literalmente.
Usando seu poder sobre os equipamentos do edifício, o SOC encurrala Drake no banheiro do escritório e o fulmina com uma descarga elétrica, dizendo: "Arquivo encerrado" -sim, o computador também adquiriu o dom da fala.
Seu tom não é dos mais expressivos, e dificilmente ele faria sucesso dublando Robin Williams; mas é uma admirável conquista pessoal.
Quando Mulder e Scully vão visitar o local do crime, o SOC, vendo Scully pela câmera do elevador, identifica-a, conclui que ela é "do mal" e resolve: "Todo passo que você der, estarei vigiando" (Police, também).
Grampeia o computador da moça via modem, xereta os relatórios sobre o caso e usa as informações para tramar contra os agentes.
O que se segue é "padrão Arquivo X" de roteiro, o que significa que qualquer coisa pode ter acontecido; mas o que conta, realmente, são as moral is da história: 1) em se tratando de computadores, "evolução" pode significar a transição do perfeito idiota para o perfeito tirano; 2) convém ter muito tato na hora de depor o síndico do prédio, mesmo quando ele parece não gostar da função.

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