São Paulo, segunda-feira, 29 de janeiro de 1996
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Lavaram São Paulo

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Outro dia, nas comemorações do aniversário da cidade de São Paulo, fiquei deveras preocupado quando vi um grupo baiano lavando não sei o que com aquelas águas miraculosas lá da Bahia.
Não tenho nada contra os baianos, suas águas e seus milagres. Mas acredito que não se deva misturar o Senhor do Bonfim com a catedral da Sé, cacau com café, trabalho com preguiça. Na melhor das hipóteses é uma temeridade e, na certa, uma ameaça.
Além do mais, acho que não se brinca com essas coisas. Como carioca, aprendi que não se chuta despacho de macumba. Por isso mesmo, depois de 442 anos de labuta e glória, São Paulo é a maior cidade do continente, colméia onde nunca se pára.
Ainda como carioca, fui outro dia a São Paulo, saltei em Congonhas, tomei um táxi para visitar uma amiga. O motorista me desejou "bom trabalho". Bem, eu ia com péssimas intenções ao tal trabalho, pensei que o cara estivesse me gozando, mas ele falava sério. Depois fiquei sabendo que em São Paulo todos se desejam um bom dia de trabalho.
Na Bahia, que é boa terra, tudo é diferente. Ou, como quer o Jorge Amado, tudo é "mágico". Desejar bom trabalho é uma metáfora: deseja-se um bom trabalho com os santos para que eles continuem abençoando a gostosa, a doce, a infinita preguiça baiana.
De maneira que misturar os canais deve ser perigoso. O baiano nunca será igual ao paulista (calma que o Brasil é nosso, pra que tanta pressa, amanhã a gente vê isso). Como o homem é uma ruína em processo, o paulista pode ficar parecido com o baiano -pra baixo todos os santos costumam ajudar, principalmente os santos baianos, que são especialistas nisso.
Repito: fiquei alarmado quando ouvi, na TV, um grupo de baianas garantindo que estavam trazendo um pouco de axé para São Paulo. A cidade já tem seus problemas, enfrenta aquilo que uma tia chamava de "abrolhos". Ano que vem, que o Covas e o Maluf mandem fechar as porteiras da cidade para impedir essa avalanche espiritual dos baianos. É o conselho de um carioca que adora a Bahia e ama São Paulo, mas gosta de cada coisa em seu lugar.

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