São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 1996
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Crack, êxtase e vingança divina

RONALDO LARANJEIRA

O que tem caracterizado o problema das drogas nos últimos 20 anos tem sido a mudança constante e rápida dos novos padrões de consumo. Essas mudanças ocorrem por novas formas de administração de drogas já usadas anteriormente, mas que, em maneiras diferentes de consumo, podem trazer grandes problemas para algum setor da população e, outras vezes, pelo aparecimento de novas drogas.
Uma das drogas que está fazendo um grande estrago é a cocaína, em suas várias apresentações. No Brasil, passamos por duas fases de consumo de cocaína. A primeira, que começou há dez anos, era caracterizada pelo uso nasal e endovenoso e produziu milhares de infectados pelo HIV. A segunda, pela qual passamos agora, tem o uso do crack como o principal responsável pelo custo social.
O uso recente dessa droga, se por um lado produziu uma série de problemas para populações de vários países, também produziu novos conhecimentos sobre o efeito da droga em si.
Os efeitos agudos da cocaína e de outros estimulantes já eram por demais sabidos. Produzem um grande prazer subjetivo com um maior estado de alerta, em que os prazeres normais são intensificados, a ansiedade inicialmente diminui, a autoconfiança aumenta, inibições sociais são reduzidas e a comunicação interpessoal é facilitada.
Enquanto o uso agudo é agradável e aparentemente controlável, o uso repetido produz uma sensação de busca intensa por mais droga até chegar a um uso compulsivo. A maior parte dos usuários subestima a capacidade das drogas de produzir dependência.
Em um estudo, voluntários conseguiam avaliar corretamente a capacidade de as drogas criarem dependência no geral, mas subestimaram o seu próprio risco de ficarem dependentes (Fischhoff, 1992).
Outro aspecto pouco valorizado pelos usuários e, por muitos anos, pelos cientistas e clínicos da área é a capacidade dos estimulantes -e da cocaína em particular- de produzir sintomas de abstinência.
Por décadas achou-se que existia somente uma dependência psicológica, que seria uma resposta ao efeito euforizante da droga. Mas, a partir do fim da década de 70, tem sido demonstrado que o uso crônico de estimulantes leva ao desenvolvimento de uma adaptação neurofisiológica importante. Existe uma diferença importante da abstinência causada por estimulantes com relação às demais drogas, como os opiáceos e álcool, que produzem uma abstinência na qual predominam sintomas físicos.
Os estimulantes produzem mudanças neurofisiológicas que regulam alguns processos psicológicos, como ansiedade, diminuição da capacidade de experimentar prazer, "craving" (fissura) pela euforia causada pela droga, entre outros. As características desses sintomas estariam mais próximas da abstinência dos benzodiazepínicos do que do álcool e opiáceos.

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