São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 1996
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Morrendo na praia

LUÍS PAULO ROSENBERG

A mais necessária e revolucionária das reformas, a da Previdência, foi reduzida a um acordo que substitui a aposentadoria por tempo de serviço pelo tempo de contribuição mais o lançamento de um novo fundo voluntário de aposentadoria.
Desde logo, vamos concordar que a obrigatoriedade de completar 35 anos de contribuição, antes que o cidadão possa se aposentar, é conquista financeira importante para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Realmente, pesquisas revelam um período efetivo médio de contribuição próximo a 14 anos, no Brasil.
Portanto, o acordo negociado pelo governo (que está custando a Vicentinho a ameaça de cassação da sua carteirinha de esquerdista), praticamente triplicará o valor médio que cada trabalhador contribuirá para a Previdência Social, antes de passar a receber sua aposentadoria.
Infelizmente, o pacote governamental será um passo adiante, mas na direção errada.
O primeiro vício é o de insistir na orientação de que a seguridade pública deva ter um embasamento atuarial em suas contas. Ou seja, persistir na quimera de que o trabalhador coloca seus recursos sob a guarda e gestão do Estado, que lhe devolve, com ganhos reais, na sua velhice.
É a surrada idéia de que só uma instituição governamental teria capacidade, honradez e continuidade para garantir que a contribuição de hoje do trabalhador seja a garantia de sua aposentadoria serena.
Hoje, prevalece no mundo a tese de que a seguridade social, a de responsabilidade do governo, deveria limitar-se, no âmbito de sua viabilidade, a arcar com o pagamento do mínimo indispensável àqueles que chegam à velhice, sem meios de sobrevivência (no Chile radical, nem este mínimo sobreviveu -passou tudo para as mãos do setor privado).
Os recursos para estes pagamentos devem ser gerados por impostos e não por contribuições previdenciárias: trata-se, na verdade de um programa social, onde os jovens que trabalham bancam a velhice desamparada, por meio do Imposto de Renda, por exemplo.
Neste caso, desaparece o papel do Estado de gestor dos recursos do trabalhador até que este chegue à aposentadoria. Fica só o papel de Robin Hood siderado em velhinhos.
Assim, o Estado cuidaria dos desprovidos e é o setor privado quem se encarregaria da missão de multiplicar o patrimônio apartado pelo trabalhador para sua velhice.
O setor privado teria a supervisão do mercado e do próprio contribuinte, cabendo ao governo os papéis de fiscalização e divulgação dos resultados alcançados pelos gestores privados dos fundos provenientes das contribuições.
Em vez, o que tenta fazer nosso governo?
Enquanto o mundo avança para que a responsabilidade pela maior parte dos proventos do aposentado fique a cargo do setor privado, entrando o governo apenas para cuidar dos descamisados, aqui ampliam-se os recursos sob a égide desta máquina incompetente e corrupta que é a nossa Previdência pública.
O setor privado fica apenas com as migalhas da aposentadoria suplementar, relevante somente para os segmentos de maior poder aquisitivo da classe trabalhadora.
O segundo pecado do enfoque previdenciário de FHC é não estimular os fundos de pensão, neste pequeno espaço deixado ao setor privado, preferindo privilegiar contas individuais de trabalhadores mais abastados.
Na verdade, deve-se comemorar sempre que recursos saiam da Previdência pública e dirijam-se a gestores profissionais, aumentando a poupança nacional e fomentando o crescimento: é menos forragem para ser ruminada pelo INSS e mais investimentos produtivos nas Bolsas de Valores ou no financiamento da produção.
Entretanto, se a legislação encaminhasse as contribuições de patrões e empregados para fundos de pensão, em vez de deixá-las escorregar para dentro de instituições financeiras, criar-se-ia um mecanismo espetacular de democratização do capitalismo: graças ao fundo de pensão, estreitam-se os interesses comuns entre patrão e empregado, cria-se uma nova moeda de troca na negociação salarial e estimula-se a fidelidade do trabalhador à empresa.
Ademais, com o passar do tempo, o crescimento do volume de recursos comandados pelos fundos é explosivo. Nos Estados Unidos, onde os fundos proliferaram, é impossível, hoje, haver uma compra e venda de conglomerado ou a manutenção da diretoria de uma corporação à revelia dos fundos de pensão.
Vale dizer, por meio da ação conjunta dos fundos de pensão, os trabalhadores convertem-se em patrões de seus patrões, participando dos conselhos de administração e demitindo incompetentes.
Saltam de explorados pelo capitalista da empresa familiar, da época de Marx, para a posição de proprietários das empresas abertas e fiscais da qualidade da gestão empresarial.
É óbvio que se as contribuições forem canalizadas para fundos controlados por uma dúzia de instituições financeiras, como nos modelos chileno e argentino, a chance de se estimular esta alavanca de justiça social é desperdiçada. E esta parece ser a opção da proposta governamental.
De um governo social-democrata esperava-se a ousadia de liderar uma reforma definitiva da seguridade brasileira, depois de informar a sociedade sobre a verdadeira situação falimentar do INSS.
Em vez disso, o que se propõe é mais um remendo financeiro, estatizante e superficial, complementado por um trejeito de privatização, muito mais interessante para banqueiros e profissionais de alta renda, do que para a massa trabalhadora, ansiosa por desfrutar dos mecanismos distributivistas do capitalismo.

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