São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 1996
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Custo Brasil = n X custo urbano

LEON ALEXANDR

A expressão custo Brasil vem apontando custos excessivos, essencialmente no porto de Santos, na via Dutra e na carga tributária, que penalizam os resultados de nossa balança comercial com o exterior.
Contudo, ela não está abordando devidamente o custo urbano, também seu componente de peso, já que parcela importante das nossas riquezas é gerada nas grandes cidades ou transita por elas.
Na equação montada para o título acima, não é relevante calcular o número "n", mas sim provocar uma reflexão sobre o custo urbano existente em nossas grandes cidades.
Ele é agravado, antes de mais nada, pelo pesado custo do transporte dentro das nossas metrópoles.
Deve-se entender aí, além dos custos diretos e indiretos, aqueles decorrentes da perversa desestruturação das famílias mais pobres e que normalmente nem são percebidos como seus componentes. E o efeito psicossocial.
Nos custos diretos, é conhecida a lentidão das viagens urbanas de carga que vão e que vêm, por vias cada vez mais engarrafadas.
Transbordos de jamantas que não conseguem entrar em ruas comuns, para caminhões de menor tonelagem, são obviamente encarecedores. Com as enchentes, tudo se agrava, com a deterioração de produtos perecíveis nos caminhões ilhados pelas águas.
O transporte coletivo de passageiros e o individual trafegam cada vez mais lentamente, quando não são paralisados por chuvas torrenciais.
Aí, é preciso enxergar de imediato, num horizonte de uma ou duas décadas que virão, uma quase certeza: neste cenário próximo, os governos terão cada vez menos verbas para desapropriações urbanas caríssimas, seguidas de obras de alargamentos viários.
Portanto, as atuais ruas e avenidas deverão ter a mesma largura de hoje. E nesse período, elas deverão engasgar de vez, com os milhares de novos veículos (ônibus, automóveis e caminhões) que serão despejados pelas montadoras dentro do tecido urbano.
Todo o quadro acima traz desgaste de nervos à população em todos os seus níveis. Quanto ao aspecto psicossocial mencionado, a desorganização da família pela má qualidade de vida nas metrópoles e a revolta então gerada entre os mais carentes, vai, por reflexos sucessivos, encorpar ainda mais o custo urbano.
É a mulher, vítima do assédio porco nos trens superlotados; os jovens que fazem o surfe ferroviário e não têm muito a perder na vida; é o marido que gasta cinco horas por dia nesse transporte desumano e descarrega sua violência na companheira do barraco; são as crianças da periferia que durante o dia quase não vêem seus pais e assim acabam se tornando miseráveis estafetas do tráfico de drogas.
Mesmo que pareça incrível, tudo isso acaba repercutindo no encarecimento urbano, por meio de maiores necessidades de custosos serviços públicos.
É óbvio que se esses problemas familiares não existissem, antes de mais nada teríamos uma sociedade menos traumatizada e como corolário, produção melhor e portanto menos custosa.
As medidas para atenuar os problemas aqui abordados exigem, antes de mais nada, vontade política dos governantes, pois sendo quase sempre impopulares, acarretam perda de votos.
Em suma, não vemos outra saída: sob todas as formas, ou privilegiamos de vez o transporte coletivo em detrimento do transporte individual, ou esvaziamos parcialmente nossas grandes cidades.
Vamos parar com essa mania de grandeza que vem desde o Visconde de Taunay. Somos pobres do Terceiro Mundo. É preciso desinchar as megalópoles, devolvendo-as à condição de boas cidades.
Como? Estimulando a desconcentração industrial. Implementando uma política agrícola e reforma agrária que devolvam ao campo os miseráveis das periferias.
Transformando assim as correntes migratórias de centrípetas em centrífugas. Por favor vontade política, venha com desassombro fazer o que é preciso!

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