São Paulo, quarta-feira, 31 de janeiro de 1996
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Brodsky foi autor 'clássico' contemporâneo

NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Joseph Brodsky foi vítima de um processo político infame quando estava na casa dos vinte; ganhou o Nobel de literatura com 47 anos; e morreu domingo passado aos 55. O percurso de Joseph (pronuncia-se Ióssif) Brodsky, embora não tão rápido ou precoce como o de Rimbaud ou John Keats, foi suficientemente meteórico para parecer mais típico do século passado que do atual.
Seus primeiros poemas, que a veterana poeta Ana Akhmátova apreciava, não são particularmente marcantes. Mas na época do processo já começava a escrever sua poesia característica, a que lhe rendeu renome e o prêmio acima.
Nos últimos anos sua capacidade criativa declinava e, se as amostras divulgadas na imprensa são representativas, seus versos vinham perdendo brilho.
O russo foi também autor de um grande livro em prosa, "Menos que Um" (publicado parcialmente no Brasil), e, de novo, a acreditar nos comentários recentes, sua nova coletânea de ensaios tampouco está à altura da primeira, pois, ao que tudo indica, o jovem visionário vinha se transformando num pregador de meia-idade.
Porém, nas duas décadas e meia de seu apogeu, Brodsky compôs uma obra forte o suficiente para muitos de seus conterrâneos aclamarem-no como um novo Púchkin -grande elogio na Rússia.
Ele celebrizou-se também na sua pátria de adoção, os Estados Unidos, traduzindo seus textos para o inglês ou escrevendo-os diretamente nessa língua, um feito raro que o inscreve na seleta companhia de poetas bilíngues.
Sua poesia pode ser chamada de clássica desde que se qualifique com cuidado o adjetivo. Abominava explícita e ruidosamente quase toda a literatura da modernidade bem como as vanguardas. Ezra Pound ou Velimir Khlébnikov eram puros equívocos para esse poeta que tinha como ídolos declarados Ossip Maldelstam, W.H. Auden e Robert Frost.
Mas a questão é complexa. Brodsky era um exilado e seu interesse pela história atual, se bem que encoberto, revela-se acentuado devido à sutileza com que se manifesta. Quando aspira a um certo passado, ele o faz consciente de sua própria e irreversível contemporaneidade. Não é à toa que a figura tutelar que emerge de sua poesia é a do grego de Alexandria Konstatinos Kaváfis. A postura antimoderna do russo, por menos que ele o queira, não deixa de ser, ao contrário de tanto pseudoclassicismo kitsch que há no mercado, fundamentalmente moderna.
Talvez ainda seja cedo para avaliar seu legado e, obviamente, é a seus compatriotas que cabe fazê-lo, uma tarefa difícil num momento em que estão envolvidos no trabalho de reconstruir um país devastado e de se familiarizar com a imensa parcela de sua literatura que lhes havia sido confiscada.

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