São Paulo, quarta-feira, 31 de janeiro de 1996
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"Bad Boy Bubby" é um herói do acaso

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Bad Boy Bubby", produção australiana dirigida por Rolf de Heer, exibida na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 1994, não é um filme fácil.
Não possui, para o espectador médio, qualquer refinamento. Traz, ao contrário, uma qualidade rara no cinema desta década: radicalismo.
Exibido no momento da chamada renascença do cinema de seu país- notabilizado por "A Prova" e "Priscila, a Rainha do Deserto"- o filme de Heer espantava por renegar o humor ou a sensibilidade de seus companheiros da Austrália.
Em um ano que criou a moda da violência como estilo, "Bad Boy Bubby" (intitulado em vídeo "Bad Boy") também se utilizava do tema para recontar, em tom de fábula, a misteriosa história de um outro Kaspar Hauser, o homem que cresceu sem contato com outros seres humanos, beirando a animalidade.
Mas "Bubby" é menos misterioso que Hauser. No início do filme já nos é mostrado um pouco de sua vida. Criado em um pequeno quarto de uma urbanizada cidade australiana, ele é um homem que chega até os 35 anos sem nunca ter aberto a porta de sua casa.
Seu único contato com outros de sua espécie é sua mãe. Uma mulher que todos os dias lhe conta que "lá fora" as pessoas vivem com máscaras de gás para se protegerem do ar contaminado. Acrescentando que se o gás não o matar, "Deus o matará".
A primeira meia hora do filme é passada nesse apartamento. Heer mergulha na relação doentia de seus personagens nos mostrando a inocência de Bubby e a sordidez da mãe, que faz sexo com ele quase todas as noites.
Um cotidiano que é alterado com o retorno de seu pai, desaparecido desde seu nascimento. Esse é o momento, motivado por vários acasos, de Bubby partir.
Seu primeiro contato com o mundo é, claro, um choque. Ele não entende nada do que se passa nessa nova realidade. Termina por entrar e sair das mais inusitadas situações, criadas quase sempre por conseguir imitar, segundos depois de ouvir, a fala de um estranho.
Acontecimentos que o levam a acabar seus dias casado com uma mulher que ama, pai de dois filhos, e "performance" (no estilo do músico Nick Cave) de uma banda de rock.
Um filme extremamente incômodo, que parece querer dar as costas a qualquer forma de estetização, "Bad Boy Bubby" funciona por negar algo que esse tipo de trabalho parece carregar como uma maldição: o engajamento.
Contar a vida de Bubby, para Heer, não significa de imediato pretender criticar, de forma ingênua, a sociedade e a idéia de civilização. O maior inimigo de Bubby, mostrado de forma talentosa por seu diretor, é a própria humanidade.

Vídeo: "Bad Boy" (Bad Boy Bubby)
Diretor: Rolf de Heer
Elenco: Nicholas Hope, Claire Benito
Distribuidora: Top Tape (tel. 011/826-3066)

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