São Paulo, quarta-feira, 31 de janeiro de 1996
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Conversando a gente se entende

ROBERTO PAULO RICHTER

Tive o prazer de ler, na nossa Folha de 17 de janeiro, um artigo sobre o PAS assinado pelos médicos Bráulio Luna Filho e Jair Mari, ambos conselheiros do Cremesp -Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
Foi um prazer porque, embora o artigo seja contra o PAS, está escrito em termos educados; e, embora discordemos dos argumentos apresentados, pelo menos há argumentos, em vez dos habituais insultos. A troca dos adjetivos pelos substantivos é, sem dúvida, um passo adiante, e lidar com pessoas educadas, mesmo divergentes, é o início do caminho do entendimento.
O artigo, porém, escorrega algumas vezes. Fala em ética, por exemplo, e diz que o Cremesp investe contra o PAS por motivos éticos. O presidente do Cremesp, o médico Pedro Henrique Silveira, foi demitido por justa causa da Autarquia Municipal de Saúde de Tremembé, no interior de São Paulo, por recusar-se a atender doentes.
Não quis, em seu plantão, atender à paciente Eucea Silva; a alegação que fez -ele, que prestou o juramento de Hipócrates!- foi que estava dormindo e não iria se levantar. O mesmo Pedro Henrique Silveira, hoje presidente do Cremesp, foi capaz de abandonar seu plantão, em 29 de março de 1991, para atender a uma cliente particular, paga.
Ele recorreu contra a demissão por justa causa. Eis a palavra do Judiciário (Justiça do Trabalho, 15ª Região):
"Os documentos (...) demonstram, de forma clara, que o autor era desidioso no desempenho de suas funções" (...) "o profissional não se preocupava muito com o andamento dos serviços e tampouco se importava com os humildes seres humanos que compareciam ao atendimento no posto médico" (...) "o autor nunca esteve preocupado com o 'ser humano', mas tão-somente com a parte mercantil de sua profissão".
Os conselheiros do Cremesp Bráulio Luna Filho e Jair Mari hão de convir que, com um presidente como esse, não é exatamente de bom-tom criticar os outros por motivos éticos.
Mas vamos ao restante da argumentação. O artigo diz que não há evidência científica de que o PAS seja superior à política atual de saúde e que a universidade poderia fazer uma avaliação isenta e objetiva da possível eficácia e viabilidade do PAS; de que não há garantia de que o sistema seria estendido a toda a população após as eleições, e de que outro partido manteria o PAS; que as unidades que funcionam adequadamente deveriam ser preservadas, como a equipe de saúde mental do hospital-dia de Pirituba-Perus; a implementação de uma política de saúde exige diálogo e co-participação das equipes envolvidas.
Há uma falha lógica no raciocínio (se o PAS é tão ruim que tem até implicações éticas, por que exigir a garantia de que será estendido a toda a população após as eleições?), mas vamos ignorá-la. Se o PAS fosse implantado por decreto, já estaria beneficiando toda a população, mas foi implantado por lei.
Isso leva mais tempo, mas simultaneamente abre campo à discussão e ao diálogo. É curioso que o Cremesp ache que não houve diálogo se, por seis meses, a questão foi debatida na Câmara.
De qualquer forma o Cremesp pediu-me uma audiência para conversar sobre o PAS. No dia da reunião o presidente me ligou para saber se havia pauta definida. Não havia. Conversaríamos sobre o que quisessem. Alegando a falta de pauta definida, ele cancelou o pedido de audiência.
O PAS é lei, mas há poucas garantias de que o próximo prefeito queira mantê-lo. Não há garantia também de que o próximo prefeito não queira derrubar todas as árvores da cidade ou de que não vá transformar a marginal do Tietê num calçadão. As garantias contra essas eventualidades são a lei -que teria de ser revogada pela Câmara Municipal- e o bom senso. Se é um bom sistema, funcionando bem, por que destruí-lo?
Quanto às unidades que funcionam adequadamente, os ilustres conselheiros que nos perdoem, mas a população mal atendida pelo sistema anterior não concorda com eles. Basta verificar as pesquisas: a saúde é a preocupação maior e o setor da saúde, antes do PAS, era o pior (na cidade, no Estado, na União).
As ilhas de excelência que o artigo cita não aparecem nas pesquisas. Talvez o público atendido por elas, no sistema antigo, não tenha a mesma opinião sobre seu bom funcionamento.
Há a questão da universidade. Colaboraram com o projeto especialistas da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP), com especialistas contratados da área de saúde; Escola de Sociologia e Política; Escola Paulista de Medicina; Faculdade de Medicina da USP; Secretaria Municipal da Saúde e uma dezena de entidades de classe.
Resta-nos, enfim, fazer um convite: que os médicos Mari e Luna Filho venham conversar sobre o PAS. Tentaremos convencê-los. Gente inteligente, competente, tem de se unir e trabalhar pelo bem comum. É melhor e mais produtivo do que tentar defender posições políticas de gente que só se destacou na profissão pelo desprezo aos pacientes.

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