São Paulo, terça-feira, 1 de outubro de 1996
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O jogo velhaco

JANIO DE FREITAS

A campanha começou, fazendo de ontem mais uma data histórica. Começou sob a forma de portentosa manchete no "Globo": "Kandir diz que país crescerá até 9% ao ano com reeleição".
Não é o cargo de ministro que dá a Antonio Kandir condições para fazer tal afirmação. É a combinação de duas características suas, a intelectual e a moral.
A primeira é conhecida desde que, estudando a crise econômica que agitava o mundo em 82, Kandir concluiu, em longo trabalho teórico, que o capitalismo chegara ao fim, irremediavelmente. Assim como o "estudo" dá a medida da capacidade do autor, o sequestro das poupanças e contas bancárias no Plano Collor -o maior assalto na história da criminalidade brasileira- é uma criação que dá idéia da sua disponibilidade para o vale-tudo do carreirismo.
Não é nova nem demais, portanto, a leviandade da mais recente "previsão" de Kandir. Em si mesma, vale tão pouco que o ministro Pedro Malan, também lá em Washington e também anteontem, reduziu a 4,5% a expectativa mais otimista de crescimento no futuro, e não condicionado à reeleição. A "previsão" leviana de Kandir vale, aí sim, como sinal do jogo político indecente e do tratamento velhaco a que a opinião pública estará sujeita, ou já começa a estar, por parte dos ansiosos pela reeleição.
A mentira kandiresca é sempre fácil. De sair dele e de ser desmascarada. Kandir negou ontem, em nota mandada à Folha, ter dito a frase aqui publicada ("A prioridade absoluta é a reeleição. O que ajudar a reeleição, o governo faz. O que não servir a ela, não faz", dirigindo-a a secretários municipais de Fazenda, quando indagado sobre a protelação das reformas fiscal e tributária).
Não preciso desmenti-lo. Concedo a Marco Maciel, deixando-lhe a autoria do desmentido, a oportunidade de justificar um pouco o seu custo para os cofres públicos: "Maciel: as reformas só virão depois da reeleição", manchete interna no "Globo" de sábado, e "Reeleição tem prioridade, afirma Maciel", manchete interna na Folha do mesmo dia, com texto em que a repórter de política Marta Salomon transcreveu Maciel declarando que "a reeleição tem prioridade, depois serão votadas ao outras emendas" de reforma.
Não é o governo que está condicionado à reeleição. É o país que está condicionado pelo governo à reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Aí está a razão do imobilismo, do palavrório sem atos, da encenação sem enredo que caracterizam o governo. Já quase dois anos consumidos na farsa e na fraudulência, com propósitos que só se fundam na ambição mais desvairada. E que não há de ser gratuita.
O que estará perdendo Sérgio Motta, dito "o tesoureiro", para que a não-conquista da prefeitura paulistana o transtorne tanto? Diz ele, com igual elegância em corpo e em alma, que Maluf quer a eleição de Pitta para "continuar assaltando" a prefeitura. Até que saiu aí uma boa sugestão, entre cifrões e impropérios: e o presidente e o vice e certos ministros querem a reeleição continuísta para quê? Não há de ser para governar, que isso poderiam estar fazendo há quase dois anos, mas confessam preferir o oposto.
Fica a pergunta, na esperança de que Sérgio Motta a responda entre mais cifrões e outros impropérios, sempre capazes de boas sugestões.

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