São Paulo, terça-feira, 1 de outubro de 1996
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Menos com menos dá menos

LUÍS PAULO ROSENBERG

Não foi por falta de aviso. Todos os economistas minimamente familiarizados com os princípios de finanças públicas foram contra a aprovação da CPMF. A própria equipe econômica se opunha monoliticamente a essa excrescência, geradora de distorções e má alocação de recursos na economia.
Tudo em vão. Condoído (ou chantageado?) pela argumentação do seu ministro da Saúde, o presidente deu as costas para a razão e jogou todo o peso do seu cargo para aprovar no Congresso a emenda constitucional que ressuscitava o IPMF, agora na sua versão feminina de "contribuição", e não "imposto", para poder valer já no ano da sua implantação.
A aprovação do monstrengo foi um dos momentos deploráveis do atual governo, trazendo desgaste interno e internacional. Afinal, por mais justa que fosse a reivindicação de recursos pelo dr. Jatene, um pouco de imaginação poderia ter produzido a mesma quantidade de recursos de forma menos punitiva para a produção.
Ibrahim Eris, por exemplo, sugeria que se destinassem à saúde metade dos ganhos advindos da aprovação e implementação da reforma administrativa, uma forma engenhosa de pressionar o Congresso a reduzir o déficit público enquanto dava resposta a uma questão social.
Às vésperas da entrada em vigor do sinistro tributo, surge um debate inexplicável.
Pois não é que, em nome do sigilo bancário e dos direitos do cidadão, procura-se impedir o governo de fiscalizar a arrecadação da CPMF?
Só pode ser piada de mau gosto. Se existe um imposto, tem que existir sua fiscalização. Imagine a aberração que seria a Receita Federal abdicar do dever de fiscalizar, tendo que aceitar como bom qualquer papelucho preenchido por um banco, afirmando que tantos milhões de reais foram arrecadados a título de CPMF!
Depois dos episódios de desvio de milhões de reais no Econômico e de fajutação de bilhões pelos acionistas do Nacional, seria o cúmulo do contra-senso darmos a todos os bancos um cheque em branco, um voto de confiança absoluto na lisura comportamental deles, algo que nenhum colégio de freiras jamais recebeu.
Se for para evitar que a Receita Federal passe os olhos pelas contas correntes de todos os brasileiros, que se promova a delegação do poder de fiscalização ao Banco Central, que já está dentro de todas as instituições financeiras.
Mas tentar compensar o desvario de aprovar a CPMF com a estupidez de não fiscalizá-la seria adicionar o insulto à injúria, tão surrealista quanto fritar o ministro depois de ter cedido aos seus apelos.
A salvação mesmo virá se o Supremo Tribunal Federal reconhecer a inconstitucionalidade do tributo ou se o Executivo fixar a alíquota dele em zero, pondo fim a essa deprimente sequência de disparates.

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