São Paulo, terça-feira, 1 de outubro de 1996
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Puxa, como a economia vai bem!

ALOYSIO BIONDI

A novidade parece extremamente simpática: "Dobra a disponibilidade de crédito ao consumidor".
Dá a entender que -graças ao Real, claro- a vida do brasileiro está mais fácil; pode-se mergulhar tranquilamente no paraíso consumista, que os bancos, graças à estabilidade do moeda etc., estão aí para emprestar.
Na verdade, a manchete dá a medida exata do grau de falso otimismo a que o Brasil está submetido por de-formadores de opinião, que seguem a escola escapista da equipe FHC/BNDES.
Em bom português, a notícia foi virada pelo avesso: ela se refere às conclusões de uma pesquisa realizada por uma empresa de consultoria, que mostra o incrível avanço do grau de endividamento do consumidor.
Os dados são impressionantes: em agosto do ano passado, as famílias tinham 21% de seu orçamento comprometido com prestações ou compras com cheques pré-datados, cartões de crédito etc.
Um ano depois, em agosto deste ano, esse endividamento -deformadamente chamado de "disponibilidade de crédito" pela manchete- havia subido para nada menos que 46%.
Pior: o grande salto se deu na compra de alimentos semi-elaborados ou industrializados, responsável por nada menos que 22,5% do endividamento. Vale dizer: as famílias brasileiras (a pesquisa se refere à Grande São Paulo) estão comprando até comida a prazo.
Com esse quadro, como esperar que a economia reaja e saia da recessão? Pode-se prever alguma melhora com as vendas de final de ano, com o 13º salário etc.
Mas, para sair do atoleiro, a economia precisa de novo "motor de arranque" -e, repita-se outra vez, é esse o papel que a agricultura poderia e deveria desempenhar.
Grandes safras garantiriam aumento da renda no interior, com efeitos multiplicadores sobre toda a economia.
Mas, três meses depois do anúncio do apoio à agricultura, a equipe FHC/BNDES continua retendo o crédito para o plantio. Mantém seu falso otimismo, ajudada pelos de-formadores de opinião, para quem "a economia vai bem".
Comércio
O comércio paulistano demitiu 4.500 pessoas em agosto, segundo dados liberados somente agora. Uai! O problema não era "só da indústria"?
Sem Natal
Mostra-se otimismo porque a indústria "demitiu menos" em setembro.
Ora, tradicionalmente setembro era o "pico" do emprego industrial, por causa das encomendas de Natal. Impressiona que, após 300 mil demissões ao longo de quase dois anos, as dispensas continuem -e sejam "compreendidas".
Sem renda
O atraso no pagamento das despesas de condomínio saltou de 3% a 5% para 8% a 10%. Principal salto: prédios de apartamentos de três dormitórios. Classe média, mesmo. E o atraso no pagamento de aluguéis, de até 30 dias, passou de 5% a 6% para 20%.
Sem venda
Construtoras "liquidam" apartamentos novos. O encalhe é de 10 mil unidades em São Paulo. O nível mais alto desde o "confisco" de Collor.
Com dívida Nos supermercados, o pagamento com cheques pré-datados chegou aos 40%. A inadimplência foi de 4% para 10%.
Não só o consumidor deixa de honrar compromissos: os atacadistas acusam aumento na inadimplência de seus clientes, os comerciantes de varejo, também na faixa de 10%.
O cordão
Em outubro do ano passado, 70% das famílias de classe média mostravam a intenção de investir o seu dinheiro. Em março deste ano, esse número recuava para 51%. Em julho, nova queda, para 40%.
Falta de dinheiro, endividamento. Mas não é o que acham as Polianas do Brasil. O diretor da empresa de consultoria que realizou a pesquisa tem outra interpretação. Otimista, claro: "As pessoas não querem investir porque, sem inflação, não há mais necessidade de aplicar o dinheiro".
Incrível. Um país de suicidas, inerte nas mãos de uma equipe econômica.

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