São Paulo, quarta-feira, 2 de outubro de 1996
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Parreira não é mais o 'estrategista' da Copa

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O São Paulo pega nesta noite o Flamengo com um álibi já armado em caso de derrota: afinal, jogará desfalcado de cinco titulares. Eu acrescentaria: seis, caso prevaleça a tese de que Serginho e André disputam a lateral-esquerda -ambos deveriam ser titulares desse tricolor.
Mas o maior desfalque do time de Parreira não é a ausência deste ou daquele jogador. É, sim, a ausência de uma estratégia adequada para esta competição, especificamente.
Antes de mais nada, para os menos dotados da mídia que têm o vezo de distribuir o qualificativo de "estrategista" a este ou aquele treinador, é bom explicar que estratégia é a arte de planificar um time de acordo com as peculiaridades de um torneio e as características dos jogadores que compõem o elenco à disposição do treinador, o que, por sua vez, haverá de determinar as táticas adequadas a serem adotadas para cada situação.
Por exemplo: Parreira foi um fino estrategista na Copa do Mundo, embora seu time não primasse pela "finesse".
Mas esta é outra história. O que interessava era ganhar o título de uma disputa de tiro curto e essencialmente desclassificatória. Era fundamental não perder. Para tanto, vital evitar contragolpes. Logo, Parreira coalhou o meio-campo de volantes marcadores, que faziam a bola rolar com sonolência para reduzir ao mínimo a margem de erro no passe, e acendeu uma vela para Romário e outra para Bebeto.
Feio, chato, um acinte às nossas mais caras tradições, tudo bem, mas era uma estratégia correta para as circunstâncias e com objetivo claro: não perder.
No caso do São Paulo no Brasileirão, a situação é exatamente inversa: num certame de longa duração, nesta fase, o que importa é somar pontos suficientes para ficar entre os oito primeiros. Com a vitória valendo três pontos e o empate apenas um (que significa quase o zero da derrota), o mais importante é vencer. Assim, o negócio é privilegiar o ataque.
Pra mor de seus pecados -como diríamos todos nós, caipiras presidenciais-, Parreira, embora seja um dos único treinadores no Brasil que dispõem de três atacantes de escol (Muller, Aristizábal e Valdir), não só dispensou essa alternativa como ainda aferrou-se ao preceito dos três volantes, embora ele garanta que dois deles sejam meias, mesmo não os sendo por temperamento, vício e ginga.
Por fim, obrou desastradamente no caso André, permitindo que o desfecho fosse este: ou um ou outro, disputa malsã no único setor que funcionava como um quarteto de cordas afinado. Tanto que o lépido e despachado Serginho já carrega o peso da reserva iminente, enquanto André pisa em ovos na busca da vaga perdida.
E isso tudo já era previsível quando Parreira recolheu das mãos de Muricy um time que acabara de, com uma das mãos, levantar um título e, com a outra, acenava para um futuro promissor.
Digo tudo isso em resposta aos que me cobram ter saudado a vinda de Parreira exatamente por considerá-lo capaz de trabalhar com essas sutilezas.
Ainda desconfio que estava certo. Como estou agora.

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