São Paulo, sábado, 5 de outubro de 1996
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Receita e TCU travam guerra por sigilo

JOSIAS DE SOUZA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

Brasília vive uma guerra de bastidores que interessa a todo brasileiro que declara Imposto de Renda. De um lado está a Receita Federal. Do outro, o TCU (Tribunal de Contas da União).
O TCU quer ter livre acesso a informações sobre a vida fiscal dos contribuintes, pessoas físicas e jurídicas. Na prática, deseja furar o bloqueio do sigilo fiscal.
Everardo Maciel, secretário da Receita, se recusa a repassar os dados. Diz que é sua obrigação defender o contribuinte, preservando-lhe a intimidade financeira.
O Tribunal ameaça suspender Everardo de suas funções. Promete também impor ao secretário outro castigo: uma multa de R$ 40 mil por dia de atraso na entrega dos dados pedidos.
O prazo estipulado pelo TCU venceu na última quarta-feira, véspera das eleições municipais. Everardo impetrou no STF (Supremo Tribunal Federal) um mandado de segurança.
Ele pediu ao Supremo que suspendesse a ordem do TCU. Em decisão liminar (temporária), o ministro Francisco Rezek o atendeu. O caso terá de ser julgado agora pelo plenário do STF.
A guerra se arrasta há mais de um ano e movimenta alguns dos mais importantes gabinetes de Brasília, entre eles o de Fernando Henrique Cardoso e o do ministro Pedro Malan (Fazenda), chefe de Everardo.
O TCU decidiu se embrenhar nas entranhas da Receita a pretexto de fiscalizar-lhe o funcionamento. Suspeitava de falta de empenho da máquina de arrecadação do governo.
Iniciada a inspeção, no primeiro semestre de 95, os auditores queixaram-se aos ministros do TCU de falta de transparência da Receita. Por ordem de Everardo Maciel, o órgão se negava a revelar dados protegidos pelo sigilo fiscal.
Em ofício aprovado pelos seus nove ministros, o tribunal ordenou à Receita que abrisse os seus arquivos. Everardo recorreu, mas o TCU indeferiu o recurso.
Pareceres
O secretário socorre-se de quatro pareceres jurídicos: um da Advocacia Geral da União, aprovado por FHC, outro da Procuradoria da Fazenda Nacional, um terceiro do advogado Saulo Ramos e o último do tributarista Ives Gandra Martins. Todos são unânimes em dar razão à Receita.
Sustenta-se que o sigilo fiscal só pode ser rompido por ordem judicial. Embora leve o nome de tribunal, o TCU não integra o Poder Judiciário. É mera instância auxiliar do Congresso.
Os advogados afirmam que, pela lei, nem mesmo o Congresso tem livre acesso a informações fiscais. Exceto em casos de investigações feitas por CPIs, desde que a quebra de sigilo seja aprovada pelo plenário da Câmara ou do Senado.
Em conversas reservadas, Everardo revela o receio de que, nas mãos do TCU, os dados sigilosos escorram para o Congresso e dali para as mãos de deputados e senadores. Em suma, deixariam rapidamente de ser sigilosos.
No ofício enviado a Everardo, o TCU requisita informações sobre 75 contribuintes. Não especifica nomes. Menciona apenas categorias -pessoas que tenham pedido parcelamento de débitos junto à Receita, por exemplo.
Para recorrer ao STF, o secretário da Receita foi obrigado a contratar um advogado em caráter pessoal. Como o ofício do TCU era dirigido a Everardo e não à repartição que dirige, houve controvérsia quanto à conveniência de servir-se de advogados do quadro funcional do governo.
A ameaça do TCU de afastar e multar Everardo é considera absurda pelo governo. Seria uma invasão do tribunal no Poder Executivo.

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