São Paulo, sábado, 5 de outubro de 1996
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Investimentos e desigualdade

RUBENS RICUPERO

Em 1952, a decisão do segundo governo Vargas de impor restrições à remessa de lucros e à repatriação do capital estrangeiro marcou um momento culminante do nacionalismo brasileiro. Valeu-nos também um severo castigo.
Conforme mostra Pedro Malan no melhor estudo já escrito sobre as relações econômicas internacionais do Brasil no período, durante cerca de dez anos o Banco Mundial praticamente recusou conceder-nos empréstimos.
Naquela época, o comunismo chinês, quase novo em folha, era visto pelos revolucionários do mundo inteiro como a encarnação pura e dura do ideal marxista, deturpado pela burocratização soviética.
Quem poderia então sonhar que, passados 40 anos, a China se converteria no destino favorito dos investimentos estrangeiros diretos (IED) para países em desenvolvimento, absorvendo sozinha cerca de US$ 38 bilhões do total de US$ 100 bilhões investidos nesses países no ano passado?
Não é esse o único fato significativo ou surpreendente contido no Relatório sobre Investimentos Mundiais, publicação anual da Unctad que acaba de sair e faz autoridade nesse domínio.
O estudo é o retrato mais completo das tendências recentes dos investimentos e põe também em realce três outros aspectos particularmente reveladores do formato que vem adquirindo a globalização em curso.
O primeiro é que os investimentos atingiram em 1995 a cifra recorde de US$ 315 bilhões, crescendo 40% em relação ao ano anterior -mas esse aumento se deveu quase exclusivamente (90%) ao movimento de capitais entre países industrializados.
Os Estados Unidos são os maiores investidores (US$ 100 bilhões) e os primeiros receptores (US$ 60 bilhões). Apenas cinco países (EUA, Grã-Bretanha, Alemanha, Japão e França) representam a fonte de dois terços do total de investimentos.
O segundo aspecto é ainda mais chocante: enquanto os dez campeões dos investimentos absorveram 68% do total, os cem países do fim da lista receberam apenas 1%!
A terceira característica é que boa parte desses fluxos (US$ 229 bilhões dentre US$ 315 bilhões) está relacionada a fusões e aquisições, especialmente nos setores farmacêutico, de telecomunicações, serviços financeiros, diversões e eletricidade.
Quer dizer que a porção mais considerável dessa dinheirama toda não gerará necessariamente empregos novos, podendo até levar à destruição de muitos já existentes, como frequentemente ocorre com as fusões.
O que existe de comum entre esses fatos é que todos eles apontam para uma tendência à concentração sob um tríplice aspecto: 1º) em alguns países desenvolvidos; 2º) num pequeno número de economias em desenvolvimento, sobretudo asiáticas, mas algumas poucas na América Latina (México, Brasil, Argentina); e 3º) a concentração, finalmente, em certos setores econômicos nos quais se assiste ao aparecimento de empresas gigantescas, como resultado das fusões e aquisições.
Pode-se, é verdade, contra-argumentar que é cada vez maior o número de empresas transnacionais (39 mil, com 270 mil filiais). Não se deve, porém, ter ilusões: as cem maiores (0,3% do total), todas com sedes em nações ricas (32 americanas, 19 japonesas), detêm um terço do estoque de capital, porcentagem que se tem mantido estável nos cinco últimos anos.
No fundo, nada disso surpreende, pois o panorama dos investimentos apenas reflete, como espelho, a distribuição extremamente desigual do poder político e econômico em escala mundial.
É só uma prova a mais de que, deixadas a si mesmas, as forças do mercado e da globalização não têm nem a vocação nem a capacidade de corrigir a desigualdade da riqueza entre as nações ou no interior delas.
Para isso, será preciso que políticas adequadas dos governos ou em nível internacional utilizem o potencial criador dos investimentos, criando incentivos para atraí-los aos países onde são mais necessários.
Afirma-se hoje que uma das condições para tanto é a negociação de um acordo internacional de investimentos. No próximo artigo, veremos até que ponto isso é verdade.

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