São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996
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NA PONTA DA LÍNGUA

MARCELO LEITE

Assim como o caso antológico dos "filhotes de perdiz/perdigotos", há dois anos, a Folha publicou no último dia 27 um erramos misterioso, que pouco esclarecia o leitor:
"Por um erro da agência noticiosa Intercontinental Press, que fornece quadrinhos para o caderno Ilustrada, as palavras 'ponto' e 'ponto-e-vírgula' foram traduzidas de forma incorreta na tira do personagem Dilbert, à pág. 4-6 da edição do dia 24/9."
A nota de retificação é não só enigmática como, a rigor, incorreta. Do ponto de vista lógico, os dois vocábulos em português seriam o resultado de uma tradução correta, não objeto da tradução inepta. Não "foram traduzidos" coisa nenhuma.
O que foi traduzido, ou deveria ter sido, foram as palavras inglesas "colon" (dois pontos) e "semicolon" (ponto-e-vírgula). Algo facilmente dedutível da leitura da versão em português publicada em 24 de setembro (veja reprodução acima). O assunto, afinal, eram letras pequenas.
(Percebo só agora que a retificação tem mais um erro, também ele decorrente de tradução descuidada: "colon", em inglês, quer dizer dois pontos, e não ponto. Ponto é "period".)
"Cólon" e "semicólon", como saiu na Folha, simplesmente não faziam sentido. Em português, só existe a primeira palavra, com o devido acento, e designa uma parte do intestino grosso. Fiz piada na crítica interna da edição, dizendo que as pessoas não poderiam escolher sair às ruas ("usar") com intestinos inteiros ou pela metade.
Um erramos não precisa nem deve fazer graça, é claro. Sua obrigação, no entanto, é esclarecer o erro, o que normalmente é impossível sem mencionar as suas circunstâncias e componentes. O problema é que, ao fazê-lo, em alguns casos o jornal acaba explicitando também -inevitavelmente- todo o seu ridículo.
Entra em cena, então, o subterfúgio. Mascara-se o erro numa explicação incompreensível, ao mesmo tempo em que ele é descarregado nas costas de outrem (a agência fornecedora). Como se houvesse alguma prestidigitação capaz de apagar o fato de que alguém no jornal leu, ou deveria ter lido, a tradução publicada.
Na minha opinião, não é para isso que serve a seção Erramos.

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