São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996
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Brasil encontra tesouro indígena do século 19 perdido na Áustria

PAULO SILVA PINTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os brasileiros começam a conhecer dentro de duas semanas as imagens da maior "geladeira etnográfica" da Amazônia. É uma coleção de 1.500 objetos indígenas que o naturalista austríaco Johannes von Natterer (1787-1843) coletou de 1822 a 1835.
Três andares abaixo do solo, em câmaras sem luz, com temperatura e umidade controladas, o Museum für Võlkerkunde (museu de etnologia), em Viena, conserva cocares, cerâmicas, flechas e cestarias com mais de um século e meio e que parecem ter sido coletadas na semana passada. No cofre do museu está trancado um vidro de veneno de curare para setas lançadas por zarabatanas.
As peças não são mais produzidas hoje. Ou porque os grupos indígenas foram extintos -caso dos manaos, que deram nome a Manaus, capital do Amazonas-, ou porque perderam a cultura artesanal -caso dos mundurukus.
O historiador Victor Leonardi, da UnB (Universidade de Brasília), é o responsável pela vinda dos objetos. Num primeiro momento, chegam apenas as imagens feitas pelo fotógrafo Juan Pratginestós.
Começa no dia 21, na biblioteca central da UnB, uma exposição de 130 fotografias de alguns objetos amazônicos recolhidos pelo naturalista austríaco. Dia 25 de novembro as fotografias vão estar em Manaus. Em abril do próximo ano deverão ir para o Rio e São Paulo.
Missão Leopoldina
Natterer chegou ao Brasil em 1817 com a princesa austríaca Leopoldina, casada por procuração com o herdeiro do trono português, Dom Pedro. O imperador Francisco 1º mandou com a filha uma missão científica e cultural.
A idéia era levar imagens, objetos e descrições do Brasil. Segundo Leonardi, a nobreza austríaca era sedenta por informações do país, que havia ocupado a posição de maior exportador mundial de ouro do mundo durante o século anterior. Ainda era visto como o país mais rico do Hemisfério Sul.
Os pintores Thomas Ender e Johann Buchberger e um dos cientistas, o doutor Mikan, que integravam a expedição, voltaram seis meses depois por problemas de saúde e falta de adaptação ao clima. Dois outros cientistas esticaram a estadia por mais três anos. Natterer não se deu por contente: resolveu ficar até 1835.
Cabanagem
Em 1822, Natterer partiu para Cuiabá. Em Mato Grosso, teve de parar por quatro anos para se recuperar de uma doença, que foi mortal para Sochor, o caçador austríaco que o acompanhava.
Recomeçou a trajetória em 1829. Durante cinco anos, desceu os rios Guaporé e Madeira, subiu o Negro e o Branco até a fronteira com a Venezuela (veja quadro abaixo).
Os objetos indígenas que recolheu eram uma pequena parte da coleção. Ele tinha um apreço ainda maior por matar e conservar animais -levou 32.825 insetos, 12.293 aves e 1.729 vidros com vermes, entre outros.
Conseguiu chegar até Belém com animais vivos, destinados ao jardim imperial. Mas foram todos mortos pelos manifestantes da Cabanagem. Essa revolta no Pará, entre 1835 e 1836, e o medo de que outras aparecessem, encurtou seus planos de viagem.
Áustria: mil anos
Com todas as dificuldades, foi mais fácil Natterer convencer o governo austríaco a bancar suas expedições do que, 150 anos depois, arranjar patrocínio para fotografar sua coleção.
O projeto, orçado em R$ 40 mil, foi desengavetado neste ano graças às comemorações dos mil anos da Áustria. Teve a ajuda de empresas instaladas no Brasil (Voest-Alpine, Haas, Phoenix-Bõhler, Transbrasil e BBA-CA).
Alguns documentos microfilmados de Natterer também virão para o Brasil. Dele há apenas 60 cartas, escritas a amigos, e seis páginas de seu diário, perdido em um incêndio. Os especialistas em alemão do século passado já podem consultar o material no Cedoc (Centro de Documentação da UnB).

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