São Paulo, segunda-feira, 7 de outubro de 1996
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Desigualdades inviabilizam voto facultativo, diz Velloso

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Carlos Velloso, afirma que o país precisa preservar a obrigatoriedade do voto, porque, caso contrário, a maioria dos eleitores não exerceria esse direito de forma consciente.
Em entrevista à Folha, Velloso diz que as desigualdades sociais e regionais desaconselham, neste momento, a adoção do voto facultativo. Segundo ele, nem mesmo os eleitores das regiões mais desenvolvidas estariam preparados.
"O voto facultativo seria o ideal, mas vivemos em vários 'Brasis'. Em um ou em outro 'Brasil', talvez fosse possível hoje, mas na maioria seria nocivo", afirma Velloso, que atualmente ocupa uma cadeira no STF (Supremo Tribunal Federal).
Ele defende uma legislação eleitoral permanente e a fidelidade partidária compulsória, para evitar a troca de legendas pelos parlamentares e a falta de compromisso com programas partidários.
Para ele, o controle efetivo dos gastos com campanhas é possível mediante a aplicação de penas rigorosas ao uso de "caixa dois" e maior fiscalização da Receita Federal no período pré-eleitoral.
Idealizador do voto eletrônico, Velloso faz críticas indiretas à atuação de seu sucessor no TSE, ministro Marco Aurélio de Mello, para quem a informatização das eleições poderia ter ocorrido apenas em 1998.
Velloso afirma que a falta de treinamento dos mesários causou a maior parte das falhas nas urnas eletrônicas. Segundo ele, os erros cometidos podem ser corrigidos no segundo turno.
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Folha - Qual é o balanço que o sr. faz da estréia da urna eletrônica?
Carlos Velloso - É muito positivo. O povo, que para alguns não saberia votar pelo computador, deu uma magnífica lição. Com relação às máquinas, ocorreram defeitos que não ocultam o sucesso da eleição eletrônica, mas que não poderiam ter ocorrido nesse percentual (3,38%). Penso que o treinamento poderia ter sido bem mais intenso para quem deveria lidar diretamente com a máquina.
Folha - Mas houve tempo para esse treinamento?
Velloso - O treinamento deveria ter começado com maior antecedência e ter sido mais intenso. A maioria dos problemas ocorreu em razão da mão humana e não propriamente com a máquina.
Folha - O senhor acha possível corrigir os defeitos nas máquinas e os erros de manuseio da urna eletrônica até o segundo turno?
Velloso - Os defeitos que ocorreram com a máquina poderão ser facilmente corrigidos já para o segundo turno. Se houver também um treinamento mais intenso dos mesários, o percentual de problemas será bem menor. Mesmo superado o percentual que imaginávamos (1% a 2%), isso não ocultou o sucesso da eleição informatizada. Sem nenhuma experiência, é natural, por exemplo, o atraso na divulgação dos resultados.
Folha - Há viabilidade para se estender a eleição informatizada a todo o eleitorado em 1998?
Velloso - Penso que em 98 ainda não deve haver 100% de informatização, porque teremos eleições gerais, que são mais complexas. Os eleitores vão votar em cinco candidatos. A totalização é regional e nacional e não local, como agora. Acertamos ao começar a informatização em 96, porque as eleições municipais são mais fáceis. O eleitor vota em dois candidatos apenas: prefeito e vereador. Tínhamos que começar em 96 para adquirir experiência.
Folha - Que reforma partidária é necessária para o aprimoramento do sistema eleitoral?
Velloso - É preciso fortalecer os partidos políticos. Para isso, deve haver um mínimo de fidelidade partidária, que não signifique submissão à vontade dos "caciques". Isso deve estar disciplinado na lei. O eleitor não deve votar na pessoa. Ele precisa escolher programas de candidatos. Os partidos devem ter programas consistentes, e suas diretrizes precisam ser cumpridas.
Folha - Na sua opinião, o voto distrital misto deveria ser incluído nessa reforma?
Velloso - O sistema proporcional prestou serviços, por exemplo, na eleição das minorias, porém se comprometeu com os abusos do poder econômico e do poder de autoridade. Por que não pensarmos num sistema distrital misto? Nele, o eleitor vota no candidato do seu distrito e no candidato do sistema estadual. A combinação dos dois sistemas tem inúmeras vantagens. O eleitor sabe melhor em quem votar e a quem pedir contas. O candidato está mais familiarizado com os problemas locais. A eleição torna-se muito mais barata, e os abusos do poder econômico podem ser minimizados.
Folha - O senhor é contrário ao voto facultativo?
Velloso - Sou pelo voto facultativo. Ele é o ideal, mas vivemos em vários 'Brasis'. Em um ou em outro 'Brasil' talvez fosse possível hoje o voto facultativo, mas na maioria seria nocivo. As diferenças sociológicas regionais são imensas. O voto obrigatório ainda é o que temos que perfilhar.
Folha - Que 'Brasis' são esses?
Velloso - Temos locais mais desenvolvidos do ponto de vista econômico e cultural. Se fosse dividir em regiões, diria sem dúvida que as regiões Norte e Nordeste estão bem menos preparadas para o voto facultativo que as outras. Mas acho que nem mesmo nas regiões Sul e Sudeste possa ser possível hoje a adoção do voto facultativo.
Folha - Não é mais democrático o eleitor decidir se vai votar ou não?
Velloso - Os cientistas políticos se dividem com relação a essa discussão: se o voto é direito ou dever. Penso que a cidadania, sob certo enfoque, vai levar à conclusão de que o voto não é somente um direito, é principalmente um dever.
Será que o cidadão pode se omitir na escolha de seus representantes? É claro que o ideal é ele estar conscientizado, no sentido de participar de forma voluntária. Isso é o ideal, mas ainda não há essa conscientização.
Folha - A cada eleição, temos uma legislação específica, o que favorece casuísmos. O senhor aposta na aprovação de uma lei permanente com normas para as eleições?
Velloso - Uma comissão constituída pelo TSE, no ano passado, praticamente reescreveu o Código Eleitoral. A proposta foi entregue ao Congresso em junho de 1995.
Acho que os parlamentares vão se debruçar sobre isso proximamente. Essa não é uma causa perdida.
Uma lei para cada eleição é sempre casuística, porque reflete interesses circunstanciais das forças políticas que estão no Congresso. Penso que os parlamentares estão abertos a essa discussão.
Folha - Com relação ao financiamento de campanha, por que nunca se consegue eliminar o "caixa dois"? Há como a Justiça Eleitoral controlar efetivamente os gastos dos candidatos e partidos?
Velloso - Sem dúvida, é possível eliminar o "caixa dois". É só estabelecer penas rigorosas para quem for apanhado praticando esse tipo de fraude. O "caixa dois" prejudica não só a legitimidade das eleições, mas também traz danos aos cofres públicos. Quem tem "caixa dois" está fraudando o Fisco.
Folha - Além de não haver penas severas, também não há mecanismos de controle. A lei pode criar esses mecanismos?
Velloso - Penso que sim. A lei pode exigir, nas épocas pré-eleitorais, uma maior fiscalização por parte dos órgãos fazendários federal e estaduais e a maior participação de auditorias, por exemplo, de tribunais de contas. Eu penso que é possível eliminar muito mais da metade dos problemas existentes nessa área.
A lei (nº 9.100, das eleições municipais) exige a identificação do doador de recursos. Já é um grande passo. A falta de controle pode trazer para as campanhas o dinheiro sujo até do narcotráfico.
Folha - Quanto ao resultado das eleições, vimos que parte do eleitorado de algumas cidades optou pela continuidade administrativa, votando no primeiro turno em candidatos apoiados pelos atuais prefeitos. Houve uso da máquina das prefeituras em favor desses candidatos?
Velloso - Não vou fazer acusação que não possa fundamentar. Prefiro dizer que a população aprovou, em geral, essas administrações e quer a continuidade das obras.
Folha - O PT revelou-se uma força política expressiva em várias capitais. O sr. acredita no crescimento do PT como força política local?
Velloso - Até quanto estou informado, administradores bons do PT estão sendo consagrados.

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