São Paulo, segunda-feira, 7 de outubro de 1996
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O estadista da sociedade civil

BENEDITO DOMINGOS MARIANO

No Brasil, a luta pelos direitos humanos surgiu como sinônimo de luta contra a ditadura.
A lembrança da história da resistência política no Brasil passa necessariamente pela figura de d. Paulo Evaristo Arns, espécie de paradigma da luta pela democracia e pelos direitos humanos.
Poucos cardeais na história da Igreja Católica tiveram tanta influência na mudança de um país como d. Paulo no Brasil.
Intelectuais e políticos como Fábio Konder Comparato, Dalmo Dallari, Goffredo da Silva Telles Júnior, José Carlos Dias, Fernando Henrique Cardoso, Frei Betto, Leonardo Boff, Henfil, Betinho, Plínio de Arruda Sampaio, Franco Montoro, Hélio Bicudo, Belisário dos Santos Júnior, Margarida Genevois, Mário Covas, Lula, Vicentinho, Mário Simas, Paulo Sérgio Pinheiro, José Gregori, Fermino Fecchio e tantos outros fizeram "escola em direitos humanos" com o professor d. Paulo.
Com d. Paulo, a opção preferencial pelos pobres, preconizada na 2ª Conferência Geral dos Bispos da América Latina em Medellín, na Colômbia, e enfatizada em Puebla, México, em 1979, tornou-se profissão de fé.
As pastorais do Menor, da Moradia, da Mulher Marginalizada, o Vicariato do Povo da Rua, a Casa Vida -que cuida de crianças pobres aidéticas- são exemplos vivos do seu compromisso com os pobres.
Em 1983, quando o menino de rua Joílson de Jesus foi morto a pontapés por um procurador da Justiça aposentado, em pleno centro da cidade, enquanto transeuntes assistiam passivamente, d. Paulo foi ao velório na Casa do Menor, abriu a catedral para um culto ecumênico em sua memória e exigiu justiça. Foram ações corajosas como essa que impulsionaram no país a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que infelizmente não é colocado em prática.
O operário Santo Dias da Silva, morto por um policial militar em greve dos metalúrgicos de São Paulo, quando fazia um piquete pacífico na fábrica Sylvania, em Santo Amaro, em outubro de 1979, teve seu nome transformado em instituição contra a violência policial por iniciativa do cardeal Paulo Evaristo.
À frente da Arquidiocese de São Paulo, d. Paulo foi muito mais que um cardeal progressista. Foi o estadista da sociedade civil.
Para aqueles que diziam que ele defendia "comunistas", fica para a história a publicação do livro "Brasil Nunca Mais". Para aqueles que hoje dizem que d. Paulo defende "bandidos", fica a sua contribuição à consolidação da democracia.
Nesse momento, discute-se o perfil do sucessor de d. Paulo na Arquidiocese de São Paulo. Será um arcebispo conservador, de centro ou progressista?
Ninguém sabe. Só o papa e a Cúria Romana. O que sabemos, com segurança, é que d. Paulo criou um legado imprescritível para o Estado de direito: "quem tortura não merece o nome de homem". Ele influenciou várias gerações de democratas, e esse fato não será esquecido com sua aposentadoria compulsória.
Como disse o próprio cardeal Arns, referindo-se aos militantes de organizações de direitos humanos, em cerimônia no teatro da PUC em 1987, quando foi agraciado com o 1º Prêmio Nacional de Direitos Humanos, criado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos: "Somos poucos... somos quase uma família, mas somos o suficiente para despertar a consciência da humanidade".
Por sua ação, d. Paulo, já não somos tão poucos!

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