São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 1996
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Lobo Antunes glorifica Drummond

JAIR RATTNER
DE LISBOA

Há três anos considerado um dos mais fortes candidatos ao Prêmio Nobel de Literatura, o escritor português Antônio Lobo Antunes está lançando um novo livro.
Chama-se "O Manual dos Inquisidores" e é o primeiro de uma tetralogia sobre o poder. O livro está sendo lançado em 12 línguas.
Em seu 11º livro, Antunes, um psiquiatra de 54 anos, apresenta uma série de personagens em decadência após a Revolução dos Cravos, de 1974, que trouxe a democracia a Portugal.
Ele constrói a trama a partir de um rendilhado de depoimentos dos personagens, que lembram uma sessão de análise.
Apesar de pouco conhecido no Brasil, em sua formação são importantes os autores brasileiros, graças ao avô, nascido em Belém (PA).
Considera Carlos Drummond de Andrade o maior escritor de língua portuguesa deste século e cita autores como Mário Quintana e Cassiano Ricardo.
Foi por causa de um brasileiro, aliás, que Antunes chegou ao mercado internacional. Em 1980, o escritor Márcio de Souza deixou um exemplar de um livro de Antunes com um agente em Nova York, o que resultou na sua tradução para o inglês.
*
Folha - Este livro faz parte de uma tetralogia?
Antônio Lobo Antunes - Eu sempre tenho trabalhado por ciclos, mas com livros completamente independentes. Minha idéia é que este fosse o primeiro de um ciclo de quatro sobre o poder. O segundo livro, em que eu estou a trabalhar agora, será sobre as relações de poder na África, antes da guerra e depois da independência.
Folha - Como é o seu processo de escrita, como começa a escrever um livro?
Antunes - Nunca tive vários livros na cabeça. Tenho um só, e quando acaba fico vazio à espera que me apareça o seguinte, o que demora de seis meses a um ano. São pequenas idéias vagas, sentimentos, sombras, que vão confluindo e ganhando forma.
A certa altura, sinto que estou maduro para começar a trabalhar. No início fazia planos muito detalhados e minuciosos, mas as personagens ganhavam autonomia e vida própria e começavam a contrariar o plano.
Normalmente, quando começo um romance, sei mais ou menos quantas partes tem, o número de capítulos e tenho uma idéia geral do que se vai passar.
Folha - "O Manual dos Inquisidores" foi escrito como um rendilhado de depoimentos que formam um conjunto.
Antunes - Isso aparece em livros anteriores também. Foi a forma que eu encontrei para tentar que as personagens se iluminassem umas às outras. Se eu narrasse na terceira pessoa, seria mais difícil dar as contradições das pessoas, as misturas de sentimentos por vezes contraditórios que existem em todos nós.
Folha - De onde veio o título?
Antunes - Não é original. É o título de um livro francês do século 14. Pareceu-me adequado ao romance, sobre o poder da direita conservadora e reacionária de antes da revolução, que durante tantos anos funcionou neste país como uma oligarquia.
Folha - O livro acaba sendo um julgamento sobre a classe dominante anterior à revolução.
Antunes - Exato. Eu não faço romances históricos, no sentido de que não me interessa falar do que se passava no tempo de Cristo ou na Idade Média.
O Drummond disse muito bem num verso: "Minha matéria são os homens presentes". Interessa-me falar do que se passa agora nesse país, porque foi aqui que, por acaso, eu nasci.
Folha - Parece que todas as personagens do livro estão em processo de degradação. Por quê?
Antunes - São pessoas que procuram reencontrar um equilíbrio que estava perdido. É curioso meus leitores de língua portuguesa acharem meus romances negros e pessimistas. Isso contrasta com a crítica internacional, que considera os meus livros cheios de esperança.
Dentro de mim não considero que sejam livros em decomposição, como não considero que este país, apesar de tudo o que tenham tentado fazer dele, seja um país em degradação.
Folha - Os depoimentos lembram uma pessoa falando para um analista.
Antunes - É curioso você falar nisso. A partir de certa altura, com o meu terceiro livro, "O Conhecimento do Inferno", eu percebi que se utilizasse determinadas técnicas médicas e as tentasse aplicar à literatura, poderia falar mais aprofundadamente das pessoas.
Quando os críticos estrangeiros falam das inovações que eu trago para a literatura, isso em grande parte tem a ver com a minha formação científica.
Folha - O livro sai em 12 línguas ao mesmo tempo?
Antunes - Sai primeiro na França, em homenagem ao meu editor francês, que é um grande editor. É mais difícil encontrar um grande editor que um grande escritor. Só se fala dos escritores e não se fala dos editores nem dos tradutores. Acho que o nome dos tradutores deveria sair na capa dos livros.
Folha - Há três anos se fala no senhor para o Prêmio Nobel de Literatura. Como vê essa indicação?
Antunes - O melhor é nem pensar. Todo ano, um mês antes (da premiação), as agências internacionais de notícias começam a telefonar e a dar o prêmio como certo. Então isso cria uma certa expectativa e depois acaba sempre por ir para outra pessoa.
Muitas vezes se reclama porque o prêmio nunca foi dado a um escritor de língua portuguesa, mas nós não merecemos.
Folha - Por quê?
Antunes - O único escritor deste século que mereceria é o Drummond, mas simplesmente as traduções do Drummond são uma merda.
A carga simbólica nas outras línguas é completamente diferente. As traduções são péssimas. Você lê aquilo, e parece que são maus poetas.
Folha - O que o senhor acha do fenômeno Saramago?
Antunes - É um fenômeno muito curioso que pouco tem a ver com literatura. Há pessoas que são gênios de marketing. O caso Saramago é o mais complexo e o mais divertido.
É óbvio que o homem é um espantoso propagandista de si mesmo, e "Memorial do Convento" é um livro sedutor, sem dúvida alguma.
Depois, ele tem sempre idéias fortes. No centenário de Pessoa e cinquentenário da sua morte fazer um livro sobre Pessoa, "O Ano da Morte de Ricardo Reis".
É um sentido de oportunidade muito curioso, não se pode levar a mal.
Eu desconfio muito do sucesso e começo por desconfiar de mim, porque todas essas traduções me fazem pensar que, se há alguma unanimidade, é porque alguma coisa está errada.
Folha - O que o senhor leu quando era pequeno?
Antunes - O que havia na casa dos meus avôs: José de Alencar, Aluísio de Azevedo, Monteiro Lobato. E depois os poetas brasileiros, como o Mário Quintana, o Cassiano Ricardo.

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