São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 1996
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O custo do projeto da reeleição

MAILSON DA NÓBREGA

Raciocínios equivocados podem tornar-se verdadeiros quando repetidos e não contestados. Esse velho aforismo está presente na reeleição. Diz-se que as concessões do presidente para aprovar o projeto aumentarão o déficit público.
É certo que haverá um custo, como ocorre na negociação de qualquer projeto complexo no regime presidencialista. Não há razão, todavia, para temer que sua aprovação redunde em expansão global de gastos.
Na recente reunião do FMI (Fundo Monetário Internacional), analistas estrangeiros mostraram as vantagens da reeleição, mas entoaram a ladainha: as negociações podem aumentar o déficit.
Todas essas análises contêm um preconceito moralista contra a barganha nas negociações políticas. Desconhecem, além disso, mudanças institucionais e culturais havidas no Brasil que previnem o descontrole de despesas do Orçamento federal.
Os analistas que falaram no FMI sobre os riscos da negociação poderiam constatar a poucas quadras dali, no Capitólio, que a barganha por votos é algo tão comum nos Estados Unidos quanto as reuniões anuais do fundo.
O melhor exemplo é Lyndon Johnson, líder da maioria democrata no Senado (1955-1961), vice-presidente e presidente da República (1961-1969), que sabia como poucos conquistar votos parlamentares mediante troca de favores.
Os norte-americanos chamam de "sweetener" e "pork barrel" o que denominamos por aqui de "agrado" e "fisiologismo". Lá, o método também é usado para aprovar medidas pouco palatáveis politicamente.
Os favores podem incluir missões no exterior, verbas para barragens, estradas, portos, aeroportos e semelhantes no respectivo distrito eleitoral e outros (ver Walter Oleszer, "Congressional Procedures and the Policy Process", CQ Press, Washington, 1989).
Os direitos alfandegários pagos pelo nosso suco de laranja aumentaram nos EUA. Motivo: concessão do presidente Clinton a parlamentares da Flórida para obter o apoio à aprovação do Nafta, o acordo de livre comércio com o Canadá e o México.
É claro que a negociação política não pode ser guiada por ações espúrias contra o contribuinte e os bons costumes.
Mas é preciso admitir que o uso de patronagem política e de verbas para obter apoio em votações parlamentares é uma prática universal.
No Brasil, felizmente, essa negociação perdeu suas características anteriores. Não é feita mais às escuras nem à base de verbas a rodo e financiamentos camaradescos dos bancos oficiais.
Dois grandes limitadores desse tipo de ação surgiram recentemente: a restauração da liberdade de imprensa, nos anos 70, e as melhorias institucionais introduzidas no Orçamento federal na década de 80.
À imprensa livre se associou o aumento do acesso à informação e a intensificação do exercício da cidadania. A opinião pública se tornou um freio ao fisiologismo, cuja prática gera denúncia pronta e efeitos negativos na imagem dos políticos envolvidos.
O processo orçamentário foi inteiramente remodelado entre 1986 e 1988. Acabaram-se os orçamentos múltiplos e o suprimento de recursos aos bancos oficiais sem autorização legislativa. Toda e qualquer despesa passou a ser aprovada pelo Congresso.
Mesmo que o quisesse, o presidente não poderia conceder verbas fora do orçamento. Esse poder sumiu. Subsídios e dotações dependem agora de decisões transparentes, sob as vistas da sociedade.
Por isso, a bancada ruralista saiu da penumbra dos corredores ministeriais para a claridade das negociações no Congresso, permitindo à opinião inibir o seu apetite por recursos públicos.
Dir-se-á que se pode usar outros meios, como concessões de TV e nomeações. É verdade, mas isso também é menor hoje e tende a diminuir à medida que avançar a reforma das telecomunicações e do Estado como um todo.
De qualquer modo, foi-se o tempo em que barganha política significava automática ampliação de dotações orçamentárias. Pode, no máximo e por algum tempo, piorar a qualidade do gasto e comprometer a eficiência do aparelho do Estado.
Dir-se-á que o déficit pode aumentar com os créditos aos Estados e municípios e a reestruturação de sua dívida. Isso é refutável. Mas já não sobra espaço.

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