São Paulo, sábado, 12 de outubro de 1996
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Médicos legistas buscam independência da polícia

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os médicos legistas querem ser independentes da polícia. Eles criticam a subordinação dos institutos médico-legais aos órgãos estaduais de segurança e reivindicam a criação de institutos autônomos.
O tema foi discutido durante o 3º Congresso Mundial de Medicina Legal, que termina hoje em São Paulo.
A Anistia Internacional enviou delegação ao evento e divulgou ontem documento em defesa da autonomia dos peritos forenses.
O relatório fala sobre a inconsistência das perícias médicas no Brasil em casos de tortura, mortes sob custódia e execuções extrajudiciais pela polícia.
Segundo o documento, a perícia médica é instrumento crucial para expor a verdade sobre violações de direitos humanos.
Imparcialidade
"Os padrões internacionais de direitos humanos clamam por investigadores independentes para assegurar a imparcialidade. A credibilidade do serviço de medicina legal do Brasil melhoraria se ela fosse autônoma em relação à polícia", diz a entidade.
Segundo parecer do Conselho Federal de Medicina, o médico perito tem inteira autonomia técnica, ética e legal para conduzir o ato pericial.
"Mas a realidade é outra. Há pressões, especialmente quando a vítima está sob a tutela do Estado, que tem a obrigação de zelar por sua integridade", diz José Geraldo Drumond, reitor da Universidade Estadual de Montes Claros (MG).
Ele contou um caso em que uma médica foi "coagida" a examinar uma menina que, supostamente, havia sido estuprada.
"A médica era pediatra. Não tinha especialização para fazer tal exame. Mas estava sozinha, de madrugada, e a polícia chegou com a menina e o suspeito, querendo que o exame fosse feito imediatamente. Ela fez e errou na conclusão. Isso poderia ter sido evitado se houvesse autonomia", diz Drumond.
"Para fazer valer os direitos humanos é preciso justiça. A medicina legal é um instrumento. Por meio dela, a Justiça obtém provas de base científica", diz o legista Daniel Romero Muñoz, professor de medicina legal e ética da Universidade de São Paulo (USP).
Vivos
E a medicina legal não é necessária apenas quando há cadáveres. Ela é fundamental nos casos de agressões familiares e sexuais, nos exames de paternidade e outros.
Tanto é que 80% das perícias criminais são feitas em pessoas vivas -10% são realizadas em mortos. Os outros 10%, em materiais.
Em caso de lesões, por exemplo, cabe ao legista descrever minuciosamente quais os tipos de lesão encontrados e dizer o que as causou. Sobre as conclusões periciais, é possível deduzir o que aconteceu.
"O certo é partir dos fatos, formular hipóteses e ter deduções", diz Muñoz. Para Drumond, em caso de morte, não cabe ao perito concluir se foi homicídio ou suicídio. "Ele deve relatar o que examinou. A conclusão é da polícia."

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