São Paulo, sábado, 12 de outubro de 1996
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A armadilha das negociações sobre investimentos

RUBENS RICUPERO

Dois exemplos ajudam a compreender de forma concreta como um tratado sobre investimentos estrangeiros pode evitar dificuldades ou agravá-las. O primeiro é o das complicações diplomáticas e econômicas ocasionadas pela onda de nacionalização do início dos anos 60, sobretudo a da subsidiária da American Foreign Power em Porto Alegre pelo governo Brizola. É provável que, se na época dispuséssemos de um tratado geral sobre investimentos, teríamos podido poupar o país de muito desgaste inútil.
O segundo é o das ameaças que pesam sobre o comércio exterior brasileiro, ilustradas pelas recentes consultas sobre o regime automotivo no âmbito da Organização Mundial do Comércio e pela abertura de investigação no âmbito da lei 301 dos EUA (um dispositivo unilateral, aliás), alegadamente por incompatibilidade entre aquela política brasileira e os compromissos multilaterais do Brasil na OMC. Nesse caso, as dificuldades decorrem precisamente da existência de acordo internacional na área do comércio.
Em consequência da Rodada Uruguai, com efeito, tornou-se mais difícil atrair investimentos mediante a criação de reservas do mercado interno ou incentivos. A indústria automobilística brasileira, apesar de implantada no país há 40 anos, ainda precisaria de instrumentos de sustentação e incentivo frente à concorrência internacional, mas as novas normas da OMC permitem que se coloquem sob a luz da dúvida, na melhor das hipóteses, esses instrumentos de política industrial (o índice de nacionalização, a preferência ao produto nacional, favores fiscais condicionados ao desempenho exportador).
Os advogados da necessidade de negociações para adotar uma espécie de código mundial de investimentos afirmam ser isso um corolário inevitável da globalização. À medida que as empresas passam a ter como base de operações não mais o país ou a região, mas o planeta inteiro, elas adquirem a possibilidade de fornecer seus produtos ou serviços aos mercados estrangeiros por meio de quatro modalidades diferentes: 1ª) pela venda ou exportação, aproveitando a redução das barreiras trazidas pela liberalização do comércio; 2ª) pelo investimento, a fim de produzir diretamente no mercado externo como fizeram as indústrias automobilísticas no Brasil; 3ª) fabricando o produto, no todo ou em parte, em subsidiárias em terceiros países, a partir dos quais exportam para o mercado visado; 4ª) por uma combinação dessas três abordagens.
Um amigo golfista dizia-me outro dia haver-se espantado ao comprar um taco novo e verificar que ele era feito de partes provenientes de quatro países diferentes! Se isso é verdadeiro em relação a um taco de golfe, o que não dizer de um automóvel ou computador?
Como, porém, se poderia consolidar essa integração produtiva em escala planetária, fazendo do mundo imensa oficina, se não houver regras uniformes que garantam o capital contra as expropriações e lhe permitam investir em qualquer país, em qualquer setor, levando apenas em conta a maior ou menor eficiência e lucratividade?
Tal argumento, que poderíamos chamar de o "imperativo da globalização", se reforça com outros. Por exemplo, o de que hoje todos buscam ativamente investimentos estrangeiros, inclusive países comunistas como a China, o Vietnã e Cuba. Ou que praticamente todas as mudanças nas legislações sobre investimentos têm sido no sentido da liberalização (106 das 112 mudanças ocorridas em 1995 em 64 países foram desse tipo).
Ou ainda a multiplicação de tratados bilaterais de investimentos (em julho deste ano existiam nada menos que 1.160, dos quais dois terços concluídos na corrente década e 172 em 1995 apenas).
Desses fatos e da proliferação de normas em esquemas regionais como o Nafta ou a Apec, concluem alguns que se deveria buscar uma moldura universal que harmonizasse essa multiplicidade de regras, às vezes contraditórias ou discriminatórias.
Outros, em contraste, pensam que o melhor é favorecer o desenvolvimento natural e orgânico dessa tendência, uma vez que ela não vem impedindo a verdadeira explosão de investimentos dos últimos anos.
Aceitar uma negociação, dizem os últimos, é já começar a negociar. Ora, toda negociação é um processo para tentar equilibrar concessões feitas em troca de benefícios esperados, um toma lá dá cá.
Nesse sentido, a negociação não deixa de ser, para quem a propõe, uma espécie de armadilha onde espera capturar algo de mais valor que a isca posta como aliciante. Para julgar se vale a pena enfiar a mão no alçapão, é preciso medir as forças em cotejo, avaliar as implicações dos objetivos visados pelos países investidores e, após compará-las às nossas expectativas de ganho, julgar se é possível atingir um razoável equilíbrio.
Tudo isso, contudo, fica para o nosso próximo comentário, onde esperamos também discutir em que medida seremos capazes de implementar um tal tratado, à luz da experiência brasileira com os acordos da Rodada Uruguai.

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