São Paulo, sábado, 12 de outubro de 1996
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Você é um perfeito idiota?

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Você por acaso já teve algum rompante nacionalista, já vibrou pelo Brasil, chorou de amor pela pátria? E você acha que nossa miséria tem mesmo alguma coisa a ver com a riqueza alheia?
Você já foi ou é de esquerda? Já teve sua simpatia por Cuba e os piores sentimentos em relação aos EUA? Algum dia já acreditou na palavra imperialismo e pensou que a única forma de mudar o mundo seria fazendo a revolução?
E não vá dizer que você é desses que crê na relação entre o pensamento neoliberal e o que chamam por aí de capitalismo selvagem?
Perdão, mas se respondeu sim a alguma das questões, você é um idiota. Mas fique calmo. Você não é um idiota qualquer. Você é o perfeito idiota latino-americano.
É isso, pelo menos, o que afirma, desse jeitinho mesmo, o "Manual do Perfeito Idiota Latino-americano... e Espanhol", livro lançado no início do ano neste pobre continente coalhado de imbecis, relançado em nova versão na Espanha, no mês passado, e que deve chegar ao Brasil em março de 97, em edição da Bertrand Brasil.
Seus autores são três. O mais conhecido é filho do escritor peruano Mario Vargas Llosa, Álvaro. Os outros são o jornalista e ensaísta cubano Carlos Alberto Montaner e o escritor e jornalista colombiano Plinio Apluleyo Mendoza.
Em comum, eles têm o fato de terem sido de esquerda, hoje convertidos em ardorosos defensores da visão neoliberal não só da economia, mas da própria vida.
Trata-se, como assinala o escritor Vargas Llosa no prefácio, de um panfleto. São 13 capítulos e 330 páginas de escárnios, zombarias, caçoadas e gracejos contra os pobres idiotas de esquerda.
Um passeio pelos títulos de alguns capítulos dá uma idéia do espírito que anima o trio. "A Bíblia do Idiota", "Cuba: um Velho Amor Não se Esquece nem se Abandona" e por aí vai.
O sucesso da primeira versão do "Manual" foi tamanho que no prefácio à versão espanhola papai Vargas Llosa se pergunta se a carreira fulminante do livro na América Latina é prova de que a idiotia política está encolhendo por aqui ou, pelo contrário, se os personagens do livro se precipitaram em massa a comprá-lo porque, além de idiotas, são masoquistas.
Como não se cansam de repetir os autores ao longo do texto, o pecado maior não é ter sido idiota (afinal, todos éramos, dizem eles), mas continuar sendo. Seguindo à risca esse "argumento", podemos enumerar alguns casos domésticos de quem se livrou deste mal.
O atual ministro da Cultura, o ex-petista Francisco Weffort, já teria sido um perfeito idiota. Deixou de sê-lo no momento em que reconheceu em Antônio Carlos Magalhães uma figura com "grande sensibilidade social".
Verdade ou sintoma
Exemplos caseiros à parte, há duas maneiras básicas de se ler este "Manual", desde já candidato a se converter em Bíblia e best seller do neoliberalismo. A primeira é tomá-lo ao pé da letra. Foi o que fez o deputado Roberto Campos (PPB-RJ), num dos artigos da coluna que publica na Folha.
Campos dizia, repetindo os autores, que "o subdesenvolvimento não resulta da espoliação internacional ou da falta de recursos naturais. É sempre um fenômeno cultural, um misto de idiotice e mau-caratismo. Infelizmente, ambas as coisas são abundantes neste subcontinente".
A outra maneira de se ler o "Manual" é vê-lo como um sintoma de época. O que importa então não é tanto a doutrina que anima os autores, mas o uso que fazem dela.
Pela via do deboche desprovido de superego, a adesão ao ideário hegemônico de nosso tempo surge como subversão. Mal-comparando, o mecanismo é o mesmo de Nélson Rodrigues, quando, nos anos 60, usava a cafajestada para desqualificar a esquerda, podendo assim ser reacionário e ao mesmo tempo parecer subversivo.
Hoje, como ontem, os liberais dão sinais de que estão com um ótimo humor. E é fácil entender. Como qualquer idiota sabe, o mundo nunca foi tão maravilhoso.
LEIA MAIS sobre o "Manual" à pág. 4-3

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