São Paulo, sábado, 12 de outubro de 1996
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PATTI SMITH MASTERS

PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Horses - A estréia de Patti Smith em disco, em 75, lançou-a do anonimato ao posto de autora de um dos grandes clássicos do rock. O olimpo dos roqueiros poetas recebe pela primeira vez a filiação de uma mulher. Patti invade, desconstrói e deturpa standards masculinos. A "Gloria" (65), de Van Morrison, acrescenta os versos "Jesus morreu pelos pecados de alguém, mas não os meus"; em "Land", funde "Land of 1.000 Dances" (66), clássico de Wilson Pickett, e "Johnny B. Goode" (de Chuck Berry, que ela cita trocando Johnny por seu herói, o poeta simbolista Arthur Rimbaud), envolvendo-os em atmosfera de suicídio, drogas, homossexualismo, êxtase sexual e químico, amoralismo. John Cale (ex-Velvet Underground) é o produtor; a capa é de Robert Mapplethorpe.

Radio Ethiopia - A avalanche de repercussão que cercou "Horses" evanesceu no ano seguinte. "Radio Ethiopia", bem menos digerível que o já difícil disco anterior, não tirou de Patti o cetro de ídolo pop, mas também não o expandiu. Aqui, a artista assume a banda que a acompanha -passa a assinar Patti Smith Group- e radicaliza tendências de "Horses", enchendo o disco de longas e truncadas suítes -a faixa-título percorre 12 minutos de lamentos, uivos e gritos inumanos. O pop, aqui camuflado como nunca, ainda se insinua em dardos rock como "Ask the Angels", mas a verve lírica e poética predomina, em autênticos manifestos contra o exibicionismo das correntes dominantes do rock setentista, como "Ain't It Strange", "Poppies", "Pissing in a River" e "Distant Fingers".

Easter - Então, Patti quebrou o pescoço num show mais entusiasmado e saiu de cena por quase dois anos. "Easter" (Páscoa), de 78, foi a "ressurreição" e o reencontro com o sucesso de massa. Aqui está uma de suas canções mais populares, "Because the Night", esdrúxula parceria com o conservador Bruce Springsteen, então emergente. Neste disco encontra-se também "Rock n Roll Nigger", um de seus mais furiosos e potentes rocks (ressuscitado nos 90 por Oliver Stone no filme "Assassinos por Natureza"), em que ela se declara "fora da sociedade" e irmã de sangue dos "negros do rock'n'roll": Jimi Hendrix, Jesus Cristo, sua avó. "Easter" é o disco mais pop do Patti Smith Group, recheado de melodias poderosa s como as de "Till Victory", "Space Monkey" e "We Three".

Wave - Em 79, Patti já estava apaixonada por Fred "Sonic" Smith, integrante nos 60 da banda "protopunk" MC5, que antecipou em uma década o movimento anarquista que sepultaria de vez a arrogância de zeppelins e floyds. "Wave" (onda, mas também aceno) é o aceno de despedida de Patti, que partiria depois com Fred para um ostracismo voluntário de quase uma década. O inseparável amigo Mapplethorpe se encarrega de mais uma capa antológica. Patti intercala faixas novamente herméticas (como "Revenge", nitidamente inspirada em "Venus in Furs", do Velvet) com a reinterpretação do clássico pop "So You Want to Be (A Rock'n'Roll Star)", dos Byrds, e primores pop como "Fredderick", "Dancing Barefoot" e "Citizen Ship". Era hora do primeiro adeus.

Dream of Life - Sob rumores de que Fred Smith travava e reprimia sua volta ao rock, Patti só voltou a gravar em 88, num disco atipicamente delicado, todo criado em parceria com o marido. A aparentemente risonha "People Have the Power" evoca a morte, em 87, de Andy Warhol, propulsor do fogo artístico da dupla Patti-Mapplethorpe. O impacto da notícia de que a Aids avançava em Mapplethorpe (ele morreu em 89) é outra mola motora. "The Jackson Song", doce toada de ninar dedicada a seu filho, ostenta um dos mais macabros poemas que a artista já cometeu. Versos como "pequeno menino triste, você está por sua própria conta/ pequenas asas tristes fazem seus pés voar" remetem inevitavelmente a Mapplethorpe -autor, pela última vez, da capa de um disco de Patti.

Gone Again - Mais outros oito anos de ausência trazem Patti Smith a seu mais recente disco, lançado há quatro meses (não-incluído na caixa, mas lançado no Brasil pela BMG. E muitas novas despedidas: antes da concepção de "Gone Again", morreram seu marido Fred Smith, seu irmão, o ex-integrante do Patti Smith Group Richard Sohl e... o herói dos 90 Kurt Cobain, a quem "About a Boy" é dedicada. No embalo das perdas, Patti volta à forma pré-Fred, em abundância de temas sombrios, às vezes novamente na clave da fúria rock -como na faixa-título e na sensacional "Summer Cannibals". De volta à companhia de John Cale e Tom Verlaine, Patti canta como nunca (e ela nunca cantou pouco). E agora promete manter-se em cena, sem maiores lapsos de tempo.
(PAS)

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