São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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O alcance do pacote

CELSO PINTO

O pacote fiscal anunciado sexta-feira pelo governo é, em grande medida, resultado de dois diagnósticos que foram tomando corpo desde meados do ano: era preciso fazer algo mais forte na área fiscal e o máximo possível sem precisar mexer na Constituição.
A urgência de uma sinalização fiscal ficou clara pela percepção externa que a forte deterioração fiscal de 95 não estava sendo corrigida este ano e que as reformas foram adiadas por tempo indefinido (e possivelmente prejudicadas pela reeleição). Não afetou o fluxo de dólares a curto prazo, mas piorou muito as expectativas a médio prazo.
O fatiamento das reformas em uma série de medidas infraconstitucionais corrige o que o próprio presidente, há algum tempo, admite ter sido um equívoco. Ao colocar todas as fichas na aprovação de reformas constitucionais, incluindo nelas algumas medidas que não exigiam mexer na Constituição, o governo foi para o tudo ou nada.
O ministro do Planejamento, Antonio Kandir, ainda como deputado, foi pioneiro da nova estratégia, ao transformar a isenção do ICMS nas exportações, que estava na reforma tributária, num projeto de lei. O sucesso na aprovação do ICMS e a ida de Kandir para o ministério reforçaram este caminho.
O pacote de sexta-feira inclui algumas medidas politicamente delicadas que estavam incluídas nas reformas administrativa e previdenciária. Ao assumir o ônus político, o governo ajuda um pouco a tramitação das reformas no Congresso.
A Exposição de Motivos do pacote de sexta, contudo, adverte que "o pleno êxito" do esforço de ajuste só ocorrerá com a aprovação das reformas. Kandir insiste que só com as reformas integrais será possível recompor a poupança interna e, com isso, acelerar o crescimento acima de 4 a 5% ao ano.
O pacote de sexta não substitui o esforço pelas reformas, até porque ele não ajuda, por exemplo, os Estados. Mas o próprio Kandir tem repetido que a aprovação das reformas ficaria muito mais fácil se, antes, fosse aprovada a reeleição, o que daria aos parlamentares o estímulo de votar por ajustes como sócios de um governo potencialmente de seis e não de dois anos.
O problema é o "timing". A reeleição, na melhor hipótese, só seria aprovada na Câmara em fevereiro. Mais uma vez, as reformas ficariam penduradas. Daí a importância do pacote de sexta e de seguir aprovando outras medidas infraconstitucionais, como a isenção do ISS sobre as exportações.
As contas para 97
O pacote de sexta, nas contas do governo, gera R$ 6,5 bilhões para Brasília, já descontados os repasses aos Estados e municípios. Não é pouco, mas deve-se lembrar que ele pagará, em parte, despesas em 97 não previstas, como a compensação aos Estados pela isenção do ICMS, uma conta que pode chegar até um teto de R$ 3,6 bilhões.
Também é verdade que o impacto dinâmico do pacote de sexta é mais amplo, como argumenta Kandir. Abre espaço, por exemplo, para alguma redução mais acentuada de juros.
A partir do pacote, o governo estima o déficit operacional em 2,5% do PIB no próximo ano, o que seria um forte ganho em relação aos 3,5% a 4% esperados para este ano. Para isso não basta, obviamente, apenas o último pacote.
Existem, contudo, algumas outras boas notícias na área fiscal. A arrecadação previdenciária está crescendo 10% reais neste ano, até outubro, e os impostos em geral subindo 9%. Com as mudanças já aprovadas no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, na Contribuição sobre o Lucro, com a CPMF e o impacto positivo de um crescimento da economia mais vigoroso, a receita pode gerar uma boa surpresa em 97.
O outro grande trunfo é a receita de privatização, estimada em R$ 10 bilhões por Kandir, e que o pacote de sexta destina, integralmente, a abater dívida pública.
Uma sinalização importante do pacote é determinar que o reajuste salarial das estatais será guiado não pela inflação passada (mais alta) e sim pela expectativa de inflação futura. Kandir confirma que o mesmo critério valerá para o reajuste dos funcionários públicos. O impacto sobre as despesas de pessoal será bastante significativo.
Ficou uma questão: por que prorrogar mais uma vez, para 1999, o antigo Fundo Social de Emergência, desvinculando 20% da receita federal? O esforço de aprovar uma emenda constitucional para isso não justificaria a ousadia de tornar a desvinculação permanente?

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