São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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Tempo para perder tempo

JANIO DE FREITAS

Uma perguntinha simples e sem maldade: se o mandato de quatro anos é muito curto, por que os presidentes que ambicionam prorrogação ou reeleição desperdiçam o tempo como se o mandato fosse infinito?
As agendas desses presidentes -aqui ou na Argentina, no Paraguai, onde for- preenchem-se, todas, com o mesmo uso do tempo: almoços políticos de tardes inteiras, longos jantares sociais, horas sem fim de audiências inconsequentes com visitantes idem, bate-papos politiqueiros com numerosas sessões a cada dia. Ao menor pretexto, uma solenidade, cuja brevidade aparente esconde a perda de um quarto do 'èxpediente" com os preparativos, cumprimentos de chegada, despedidas, pausas para fotos. Aliás, tome de se ofertar para fotos o dia todo. O tempo que sobra, quando sobra, às vezes pode ser usado para um despacho de trabalho propriamente dito.
Não há registro do tempo de trabalho desses presidentes que consideram curtos os seus mandatos. E não se precisa tê-lo, mesmo, porque o exibicionismo presidencial, praticado como fator de popularidade, retrata nas mesmas imagens, nos jornais e telejornais de todos os dias, a denúncia do desperdício frívolo das horas, dias e anos do mandato acusado de exíguo.
Mesmo sem esforços exagerados, em quatro anos de expedientes normais de trabalho é possível realizar muito, seja qual for a atividade. A Presidência da República não faz exceção à regra. Os presidentes, sim, é que a renegam.
Ao segundo mandato ambicionado por Fernando Henrique, alguns estão sugerindo que seja discutida também a alternativa de prorrogação por dois anos. Se acontecer o fenômeno de alguma troca de idéias a respeito, seria útil incluir na discussão a experiência já havida com o mandato de seis anos.
Mesmo que alguns tenham esquecido, tal mandato foi unanimemente condenado, pela consternação de que uma presidência malsucedida, como era então a do general Figueiredo, arrasta-se em duração custosa demais -sem remédio- para um país com tantos atrasos.
Caso os presidentes que ambicionam prorrogação ou reeleição trocassem, só para ver como é, o gozo deslumbrado da Presidência pelo exercício digno da Presidência, não mais diriam que mandatos de quatro ou cinco anos são insuficientes para governar. São muito curtos, reconheçamos, para quem assume pensando, não em fazer, mas em ficar.

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