São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996 |
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2 kg a mais
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Ao contrário do desenho industrial de automóveis, cada vez mais baseado no arredondamento de formas, o "standard" que sai das pranchetas da indústria da mulher é preponderantemente retilíneo. Mulher-cabide, diz o jargão. Meninas de 13, 14 anos, lisas, pálidas, esmaecidas, com olhos vazios e pernas longas, surgem como paradigma de uma estética feminina que, embora abra pequenas exceções para os traços da volúpia, raramente faz concessões a curvas e enchimentos menos contidos. Se não for altíssima e magriça, deve ser musculosa. Se para as brancas do norte esse mostruário de girafas glamourizadas já é tirânico, para as mediterrâneas e mestiças do sul, é estúpido. Cria-se uma referência massacrante e inatingível, uma fórmula para a frustração contínua, que parece ter efeitos na psicologia feminina. Cláudia Liz, segundo seu marido, foi à clínica contra a vontade da família, sob pressão do mercado da moda. Um constrangimento que não deixa de ser cruel, embora, no caso, trate-se de uma mulher que retira desse mercado seu ganha-pão. Mas quantas outras "fashion victims", que não são modelos nem nada, se submetem ao suplício dessas novas tecnologias de controle corporal -tema que renderia um pequeno ensaio foucaultiano- simplesmente por "ter" de estar "na moda"? Sim, porque essas mulheres de papel são muito mais para o consumo das próprias mulheres do que dos homens, ao menos os latinos, que podem até achar o catálogo muito bonito, mas estão quase sempre com os olhos em busca de relevos e sinuosidades. Sentimento já captado pela indústria editorial, que acaba de lançar uma revista intitulada "Mais Vida" (Editora Três), cujo projeto anunciado é, exatamente, amenizar a paranóia estressante provocada pelos cânones da beleza de passarela. Não deixa de ser irônico que todo o investimento na construção da "mulher moderna e emancipada", que "assume o corpo e a sexualidade", venha a azeitar as engrenagens de uma indústria que, no fim das contas, produz versões contemporâneas de chinesas de pés minúsculos. Texto Anterior: Tempo para perder tempo Próximo Texto: Governo pretende redividir mapa da região amazônica Índice |
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