São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Educador 'paquera' menino de rua na BA

FERNANDO ROSSETTI
DO ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR (BA)

Primeiro uma paquera, depois um namoro e, finalmente, o aconchego. É assim que o Projeto Axé descreve como faz para retirar meninos e meninas das ruas de Salvador (BA) e reintegrá-los às suas famílias, à escola e ao trabalho.
Por trás desses conceitos aparentemente prosaicos, há hoje uma metodologia de trabalho já bem consolidada pelos seis anos de experiência prática do Axé na rua.
A base da metodologia é o que o presidente do projeto, Cesare de la Rocca, chama de "pedagogia do desejo" (leia entrevista à pág. 6). A idéia é fazer os garotos construírem projetos de vida e oferecer caminhos para sua realização.
No início do Projeto Axé, em 1990, esse trabalho sempre começava na rua, com a "paquera pedagógica". "Hoje muitos nos procuram diretamente, porque já ouviram falar do Axé", diz La Rocca.
A atividade de "paquera" realmente corresponde ao nome. Em duplas, os educadores de rua vão a locais onde há mais concentração de meninos e meninas. Sentam a alguma distância do grupo e ficam olhando, paquerando.
"É um jogo de sedução. Você coloca o outro implicado em um jogo de olhar. Gera um incômodo que pode acabar levando o menino ou a menina a estabelecer contato com você", conta Marcos Candido, 29, um dos mais antigos integrantes do Axé, coordenador dos 13 educadores de rua do Projeto.
A conquista não é fácil. "Em geral os adultos vão aos meninos para explorar de alguma forma. Eles dizem que têm medo, que pode ser um policial, um traficante ou alguém querendo sexo", diz Marcos.
Estabelecida a relação entre os educadores e os meninos, começa o "namoro". É a etapa em que o educador vai "mergulhando na cultura do grupo".
É o conhecimento dessa cultura que oferece elementos aos educadores para elaborar um plano de trabalho com cada criança.
Assim, um menino pode, já de início, falar de problemas com a família -o que conduz a um trabalho com o Programa de Apoio à Família e à Juventude.
Ou uma menina pode querer aprender a "fazer o nome para tirar um documento" -uma porta de entrada para a atividade de alfabetização, que começa na rua.
"O menino precisa se dar conta de uma necessidade para querer entrar no processo pedagógico. A gente cria situações para que eles sintam falta de algo", diz Marcos.
O "namoro" não tem prazo determinado e pode nem dar certo -como qualquer namoro. Isso é uma das dificuldades permanentes: os meninos vêm e vão -mesmo em estágios mais avançados do Axé- e pode-se levar anos para conseguir consolidar um trabalho -quando se consegue.
O "aconchego" acontece depois que o garoto ou a garota finalmente pergunta: "O que vocês podem fazer por mim?" E o Axé oferece uma de suas oito unidades.
É aí que entram as regras básicas do projeto: para ingressar em uma das unidades, os garotos devem frequentar uma escola regular -as notas são rigorosamente acompanhadas- e aceitar um processo de reintegração à família.

Texto Anterior: Freire e Axé ensinam crianças a sonhar
Próximo Texto: As áreas de atuação do Projeto Axé
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.