São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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Todos os papéis do presidente

VINICIUS TORRES FREIRE
DA REPORTAGEM LOCAL

O nome de seu cargo não diz muito -Adjunta do Gabinete da Secretaria-Geral da Presidência-, mas ela é uma das pessoas que mais conhece os segredos da presidência.
A cientista social Danielle Ardaillon, além de ser encarregada de organizar toda a obra intelectual e papéis diversos de Fernando Henrique Cardoso, também é a responsável pela transcrição das fitas do "diário falado" que o presidente grava desde que assumiu.
Até agora foram 33 horas de gravações que registram o que FHC pensa do dia-a-dia do poder, suas idéias para explicar o país e análises de seus atos. O presidente também dá suas interpretações sobre os fatos registrados pela imprensa: os complementa ou contradiz.
Ardaillon conheceu Ruth e Fernando Henrique Cardoso por volta de 1968, por intermédio de amigos do marido e na Universidade de São Paulo -Ruth seria sua primeira orientadora no mestrado.
Vida agitada
Mas esse encontro não foi o resultado de uma vida familiar e universitária pacata. Ardaillon é brasileira (naturalizou-se em 1986) de origem francesa, nascida em Argel (Argélia), em 1936. Aos 19 anos, quando esquentava a guerra para libertar a Argélia do domínio colonial francês, ela foi para Paris estudar fisiologia e bioquímica na Sorbonne. Queria pesquisar o câncer. Em 1959, depois de alguns problemas na carreira escolhida, Ardaillon veio com o pai para o Brasil -ele trabalharia na instalação de uma fábrica de automóveis.
Quase foi embora em 1961, irritada com o machismo, assédio sexual e as chuvas intermináveis de São Paulo. Mas, em vez disso, casou-se nesse mesmo ano com um executivo paraibano radicado em Recife, onde teve filhos e começou a estudar ciências sociais. "Das minhas opções foi a que sobrou. Nas outras faculdades havia rapazes, ou o curso era noturno. O machismo não permitia que eu os frequentasse", explica.
Perseguições
Em 1964, ela e o marido foram corridos de Recife. Ela porque foi denunciada como "uma perigosa líder estudantil comunista", que não era. O marido porque se solidarizou com a diretoria demitida da empresa estatal em que trabalhava -Miguel Arraes era o governador de Pernambuco.
Depois de um "exílio" em Taperoá (Paraíba), voltou para São Paulo. Terminou seu curso de ciências sociais na Universidade de São Paulo e pretendia desenvolver uma dissertação de mestrado sobre o Chacrinha. Delatada por acolher perseguidos políticos, ficou cinco meses presa em 1971. Apanhou, mas escapou de choques elétricos. Fora da cadeia, onde recebeu a visita de FHC e do filósofo José Arthur Giannotti -de quem traduziram um livro para o francês-, tornou-se administradora de um hospital para urgências cardíacas em Salvador.
A volta do mundo acadêmico ocorreria em 1978. FHC a chamou para ser diretora-administrativa do Cebrap, refúgio dos melhores intelectuais de São Paulo na época, expulsos das universidades.
Ardaillon punha ordem na burocracia do instituto de pesquisa. Tornou-se então assessora de FHC, que liderava a instituição. O acompanhou no Senado, a partir de 1986, onde era secretária parlamentar. Em São Paulo, voltou também à universidade. Terminou seu novo mestrado -"O Cotidiano das Mulheres Profissionais: o Engodo do Individualismo"- e está prestes a concluir seu doutorado, sobre Estado, feminismo e aborto.
Desde setembro de 1995 é assessora de FHC na presidência. Trabalha em São Paulo e, quando vai a Brasília, se hospeda no Palácio da Alvorada. Hoje é uma espécie de "editora" e arquivista da obra de FHC. Seu projeto de maior fôlego é institucionalizar e tornar metódica a organização dos documentos da presidência, não só de FHC.

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