São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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A ciência ri de si mesma

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A BOSTON

Dois Prêmio Nobel de química faziam o papel de insetos em uma ópera. Fantasiados com antenas na cabeça, William Lipscomb (Nobel de 1976) e Dudley Herschbach (Nobel de 86) se ajoelhavam e imploravam favores sexuais de uma jovem vestida de barata.
O enredo da ópera "Lament del Cockroach" (barata, em inglês) lembrava que a catástrofe causada pela queda de um meteoro da Terra não tinha poupado as baratas, ao contrário do clichê.
Só sobraram duas, Thelma e Louise, que se recusavam a fazer sexo com outros insetos.
Um artista, James Knowlton, vendia pôsteres com uma sequência dos pênis do reino animal desenhados com o rigor de um biólogo -desde o enorme órgão da baleia, passando pelo do cavalo, ao mais modesto, o pênis do ser humano.
Três pesquisadores folheavam com olhos gulosos um calendário de 1997 com fotos de cientistas, todos homens e bonitões, alguns mostrando seus músculos, outros os cabelos do peito, em poses provocantes sem camisas.
A autora do calendário, Karen Hopkin, conseguiu também um Nobel para posar para ela. Rich Roberts, Nobel de medicina de 1993, posou vestido de branco no seu campo de pólo particular com uma taça de vinho na mão.
Hopkin recebeu dezenas de fotos de cientistas interessados em aparecer no calendário. Um deles mandou uma foto seminu, com uma toalha escondendo as partes pudendas.
Paredes de mármore
O local era o importante teatro Sanders da Universidade Harvard, em Cambridge, Massachusetts. Nas paredes de mármore do hall de entrada, desta que é talvez a mais importante universidade dos EUA, estão respeitosamente gravados nomes de ex-alunos que morreram em guerras passadas, com destaque para a Guerra Civil Americana.
Parte da cerimônia incluiu o lei lão de moldes de gesso dos pés de alguns nobelistas. "Não são falsos, é de fato o meu pé" , disse Herschbach à Folha. Lipscomb, que também tocou clarinete, disse, tomando vinho chileno na festa depois da cerimônia, que o segredo de se apresentar em um palco "é o ensaio anterior."
Bem-vindo à cerimônia de entrega do Prêmio Ig Nobel de 1996, um trocadilho, válido tanto em inglês quanto em português, com a pala vra "ignóbil". O prêmio é concedido "a indivíduos cujas façanhas não podem ou não devem ser reproduzidas".
Os prêmios são um legado do lendário Ignatius ("Ig") Nobel, que se considerava um parente de Alfred Nobel.
Trata-se de uma iniciativa de uma rara publicação de humor científico, a AIR ("The Annals of Improbable Research", os anais da pesquisa improvável).
Como é de praxe, os prêmios servem tanto para ressaltar pesquisas estapafúrdias que foram de fato publicadas em revistas científicas, ou para fazer algum tipo de crítica social (naturalmente disfarçada com humor).
Jacques Chirac
Jacques Chirac O Prêmio Ig Nobel da Paz foi concedido ao presidente francês Jacques Chirac, "por comemorar os 50 anos da bomba atômica de Hiroshima com testes de bombas atômicas no Pacífico".
Outros que mereceram o prêmio, na categoria Literatura, foram os editores da revista pós-moderna "Social Text", "por avidamente publicarem pesquisa que eles não conseguiam entender, que o autor disse que era sem sentido, e que alegava que a realidade não existia".
O texto era uma invenção do pesquisador Alan Sokal, que queria demonstrar (e conseguiu) a falta de critério de muito do que passa por "ciência social" hoje em dia.
Outros premiados tiveram mais humor. O prêmio de Saúde Pública foi concedido a Ellen Kleist, de Nuuk, na Groenlândia, e Harald Moir, de Oslo, Noruega, pelo artigo médico com o título "Transmissão de gonorréia por meio de uma boneca inflável".
Outro que compareceu foi o vencedor do prêmio de Arte. Don Featherstone, de Fitchburg, Massachusetts, inventou um flamingo cor-de-rosa de plástico para enfeitar jardins. São extremamente comuns em casas americanas.
Featherstone, que compareceu vestido com um blazer rosa-choque, disse que já foram fabricados mais de 20 milhões de flamingos.
Sua empresa também faz outros animais de plástico, como o clássico pinguim, mas também outros, como um vaca holandesa.

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