São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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FHC EXCLUSIVO

VINICIUS TORRES FREIRE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O Deus dos católicos reúne três pessoas num ser único. A natureza pública de Fernando Henrique Cardoso soma apenas duas: o presidente e o sociólogo.
No Palácio da Alvorada, sua residência oficial, FHC contou, em quase quatro horas de entrevista à Folha, como se formou o sociólogo e como ele pensa o país que o político preside.
O sociólogo lembrou tudo o que escreveu. Teoricamente, seu modo de análise é o mesmo, com as mudanças de substância que o mundo impôs. Fernando Henrique nega -e na entrevista praticamente o demonstra- que tenha dito em 1993 o "esqueçam o que escrevemos", num almoço com empresários.
FHC pôs suas idéias no lugar -onde sempre estiveram. "As Idéias e seu Lugar" é o nome do livro em que o sociólogo faz um balanço de sua produção intelectual. O título é uma paródia do ensaio do crítico literário Roberto Schwarz, "As Idéias Fora do Lugar". Nesse texto, a propósito da obra de Machado de Assis e sob a luz de alguns conceitos de FHC, Schwarz analisa a função que as idéias produzidas nos países mais avançados exercem no Brasil.
O sociólogo abriu sua caixa de ferramentas teórica, com alguns alicates novos, e desmontou o atual regime político e econômico: um sistema que, apesar de incorporar massas ao consumo, não é dos excluídos, mas do capitalismo competitivo e avançado tecnologicamente. Não poderia ser de outro modo: a mundialização o exige, em termos.
Visto isso, o presidente da República deve tentar dar um freio a essa nova sociedade que "deixada a ela mesma, marginaliza rapidamente". Para o presidente, a combinação da exigência ética, política e mesmo da racionalidade econômica impõe a incorporação, ao regime, dos desfavorecidos do poder e da economia. O presidente se considera de esquerda: a nova esquerda, que percebeu que a mudança do modo de produzir -do capitalismo para o socialismo, por exemplo- não é a solução. A palavra da nova esquerda é universalização -do acesso aos bens e direitos. Se, quando e como for possível.
FHC recebeu a Folha nos dias 23 e 27 de setembro, segunda e sexta-feira. "São dias mais tranquilos da semana", disse o presidente, para quem a vida no Planalto e no Alvorada não é um caos. "É uma prisão, mas é regrada. Ruim mesmo eram os tempos do Ministério da Fazenda", conta. FHC tem tempo para ler -não só os estudos sobre a mundialização que pediu a alguns de seus amigos e assessores intelectuais, e não só em sua casa, em São Paulo. Recentemente leu uma biografia de Henry Kissinger, Alain Minc e Alvin Toffler. Não lê ficção. Gostou do filme "Tieta": "Vai fazer sucesso lá fora, aquelas paisagens, a Sônia Braga e as outras atrizes estão ótimas etc. Podia ser um terço mais curto", diz.
As sessões de entrevista só foram interrompidas três vezes: para uma oferta de água de coco, para o almoço e por um telefonema que mudou o semblante do presidente, que dizia apenas, repetidas vezes: "Não, não, ele vai para Washington hoje". Era o boato da demissão de Gustavo Loyola, na sexta, 27.
Na segunda-feira, o presidente dissera que a imprensa causa muitas "marolas", referindo-se à publicação de suas críticas à situação da administração da Saúde no Brasil: "Você vê, parecia que o Jatene estava caindo". Diante da observação de que ele mesmo poderia causar as marolas com certas de suas declarações, FHC retrucou: "Mas não posso pautar o que digo pelo que a imprensa vai achar". E se provocar crises? "Se for marola, elas passam em dois dias".

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