São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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A HISTÓRIA SOU EU

Na entrevista com o presidente Fernando Henrique Cardoso que o Mais! publica hoje as perguntas são diretas e tocam em questões espinhosas: limites da globalização, possibilidades de fazer justiça social no capitalismo periférico, papel do Estado, riscos do capital financeiro.
Pelo menos quatro elementos são marcantes nas respostas sinuosas: o debate com o "economicismo", a recusa do "patrulhamento", a confiança na história e a aposta na democracia. Paradoxalmente, o responsável pelo Real não faz da economia seu ponto de partida e se afasta do "economicismo". FHC é irresistivelmente sociólogo, mesmo quando trata de questões econômicas.
Ele sabe que o protecionismo e o ideal de autonomia nacional tornaram-se referências obsoletas. A "substituição de importações" há muito não faz parte da agenda do governo. Ele reconhece que o modelo econômico já não passa necessariamente pela ação do Estado. Tem consciência de que a exclusão social não tem solução rápida e sugere -o que é no mínimo inquietante- que às vezes nem solução tem.
Mas as suas repetidas críticas à esquerda brasileira têm como sentido maior recusar o patrulhamento, o principismo, o basismo ou a justificação apenas ética para as decisões de governo. Aliás, este é o ponto em que FHC é mais marxista: a mudança social, a seu ver, não é fruto da mera vontade ou do conhecimento privilegiado de uma "linha justa".
Mas, se o sociólogo FHC alerta para a dissolução das classes sociais e para a ausência de um sujeito histórico universal, ao mesmo tempo ele preserva uma inclinação marxista ou iluminista, ao acreditar no sentido sempre positivo e progressista da História, com "H". Essa confiança é uma espécie de bálsamo contra o catastrofismo ou o que ele mesmo já caricaturou como "fracassomania". Mas, atenção: isso significa rejeitar também o "fim da História", tese cara aos chamados neoliberais, para quem tudo se resolveria no mercado.
FHC confia no avanço inexorável das forças produtivas rumo a modos de organização econômica mais complexos. Mas, contra marxistas e neoliberais, FHC mantém a convicção de que uma sociedade democrática é capaz de encontrar caminhos virtuosos, inclusive do ponto de vista econômico, no espaço da política e não no puro jogo do mercado.
Se não há linha justa, se não há Estado condutor ou classe revolucionária, se a globalização é vista como inevitável, FHC aposta no surgimento de espaços mais numerosos de negociação e acomodação de interesses contraditórios. Para FHC, o presente e o futuro serão melhores se os interessados souberem e puderem negociar seus projetos. O sociólogo percebe as contradições, o político acredita na História negociada.
E, como presidente, quer ser o mediador-mor de toda essa negociação.

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