São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 1996
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Priorizar sem excluir

MARIA MALTA CAMPOS

Medidas recentes propostas pelo Ministério da Educação recolocaram na ordem do dia velhos debates sobre política educacional, que podem ser resumidos na questão: A prioridade conferida ao ensino fundamental, de 1ª a 8ª série, para crianças de 7 a 14 anos, deve levar à privação de outras faixas etárias de seu direito à educação?
Se, por um lado, existe um consenso sobre a necessidade inadiável de o país recuperar seu enorme atraso em relação à universalização de um ensino fundamental de boa qualidade, as divergências são muitas quando se trata de traduzir essa prioridade em diretrizes de política educacional.
O projeto de lei 2.380, que regulamenta a emenda constitucional 14/96, ora em discussão no Congresso, restringe os direitos à educação infantil e ao ensino fundamental de jovens e adultos, tais como definidos na Constituição de 1988, com o objetivo de vincular exclusivamente ao ensino fundamental regular parte importante das verbas que Estados e municípios devem obrigatoriamente destinar à educação.
Infelizmente, tudo que se sabe sobre educação indica que o sucesso de qualquer programa de reforma depende de fatores que não podem ser restritos apenas a uma determinada fatia do sistema educacional. Um dos maiores problemas da escola brasileira é o altíssimo índice de fracasso das crianças nas primeiras séries, com repetências, atraso e abandono da escola. As pesquisas nacionais e internacionais mostram que, ao lado da qualidade da escola, outros fatores estão associados ao sucesso ou fracasso das crianças. A frequência à pré-escola é uma das variáveis que explicam bons resultados nas primeiras séries, sendo que pré-escolas de boa qualidade produzem resultados de mais longa duração.
Em uma mesma faixa de renda da população, crianças com mães de maior escolaridade apresentam melhores resultados. Os jovens de 15 a 25 anos de baixa ou nenhuma escolaridade de hoje têm muitos anos de vida produtiva pela frente e são os pais e mães de um grande contingente de crianças que chegam às escolas brasileiras.
O nível de qualificação dos professores, por sua vez, é um dos fatores estratégicos. A formação prévia dos professores de 1ª a 8ª série é feita no ensino médio e superior. Sem um investimento na qualidade dessa formação, será difícil garantir um desempenho adequado dos professores. A formação em serviço é importante, mas não substitui uma boa qualificação básica regular.
Experiências realizadas em outros países, que tentaram diminuir o fracasso escolar de determinados setores da população, indicam que as estratégias mais bem-sucedidas são aquelas que combinam vários tipos de intervenção: programas de garantia de renda, valorização cultural de grupos discriminados, educação de pais, mobilização e melhoria dos bairros de moradia.
Ou seja, prioridades só funcionam, em educação, quando não são entendidas de forma estreita e segmentada.

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