São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pensando na chuva

JOÃO SAYAD

Choveu muito no dia 3 de outubro, dia das eleições. Chuva de primavera, farta e contínua. Menos violenta do que as chuvas de verão. Mesmo assim, o rio Tietê subiu e inundou a Marginal. Trânsito congestionado, carros enguiçados, motoristas nadando.
Quantas promessas de candidatos sobre o rio, as inundações, as marginais, o lixo, a violência, o trânsito. E exatamente no dia das eleições, a chuva desmascarou tudo.
Os partidos brasileiros não têm linha ideológica. Apenas reúnem um grupo de pessoas com personalidades semelhantes, mesmo estilo de vida e forma de governar.
Quando os partidos reúnem um conjunto de personalidades semelhantes, são fortes. Os eleitores sabem que os candidatos daquele partido adotarão determinado estilo de governo: muitas obras e muitos gastos, ou alternativamente, reformas, restauração das finanças e combate à corrupção.
Se o partido ganha muitas eleições, começa a receber adesistas com personalidades muito diferentes e se enfraquece. Os eleitores não sabem mais que tipo de pessoas tal partido passou a representar.
A cobrança dos eleitores não é feita sobre atos de governo. Cobra-se do governante eleito apenas a correspondência entre expectativa de comportamento e comportamento demonstrado durante a gestão.
Assim, ninguém reclama das acusações de corrupção quando a personalidade eleita é considerada useira e vezeira nesta prática. Neste caso, cobram-se apenas realizações.
Se, ao contrário, o candidato foi eleito pela probidade e honestidade, qualquer descuido ou desvio é cobrado como crime imperdoável.
O governo Montoro, por exemplo, foi duramente criticado quando uma assessora do palácio, na correria dos primeiros dias, cometeu o crime de levar o filho à escola no carro oficial.
O prefeito Paulo Maluf dirige um Porsche preto a mais de 100 km por hora em ruas residenciais da cidade, seguido pelo carro da segurança. Únicos comentários a respeito: o prefeito pagou a multa por excesso de velocidade e, bem-humorado, exigiu que o jornalista que o perseguiu fosse igualmente multado. Mais nada. Está perdoado e continua guiando do mesmo jeito.
O importante é não frustrar as expectativas dos eleitores.
A expectativa é que governos do PSDB, do velho MDB ou do PT cortem gastos, sejam éticos e ponham a casa em ordem. Governos do PPB ou do PFL são realizadores. Gastam o que podem e comprometem a viabilidade financeira dos governos que o sucedem.
É como se os partidos de direita fossem escolhidos em períodos de investimentos e realizações. Os partidos de esquerda, escolhidos para reestruturar as finanças, pagar as contas e demitir funcionários.
Quem toma parte em governos de esquerda está fadado a fazer "devassas", que prometem descobrir falcatruas e desvios do dinheiro público e não conseguem. Deveriam contar com mais auditores e detetives em seus quadros.
O discurso eleitoral é invertido. A direita, que fala em cortar gastos, é eleita para gastar. A esquerda, que fala em aumentar o emprego, para não gastar.
O eleitor brasileiro vota como um homem apaixonado procurando a mulher ideal. Casa com a sensual Marilyn Monroe, que lhe prometeu fidelidade e uma vida conjugal tranquila em torno dos filhos. Ou então, com a Amélia que prometeu uma vida agitada e noites alucinantes.
O candidato imbatível nas eleições de São Paulo seria uma Erundina perdulária com discurso autoritário. Ou um Serra com propostas demagógicas e irresponsáveis. Ou o prefeito Paulo Maluf guiando um fusquinha dentro dos limites legais de velocidade.
A marginal do rio Tietê inundou. Tenho de descer do carro, arregaçar as calças e procurar lugar alto antes que morra afogado.

Texto Anterior: Revendo problemas; Sem opções; Em mãos; Outro planeta; Novo século; Volta às aulas; Efeito em cadeia; O canal; Consumo aquecido; Do jeito que vai - 1; Do jeito que vai - 2; TR baixa; Volta ao passado; Na bula; Conexão nos pampas; Olho japonês; Quatro dígitos; Pelo telefone
Próximo Texto: O membro desequilibrado da família Brasil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.