São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 1996
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Brasil perde a olimpíada dos corruptos

NOENIO SPINOLA

No ranking dos campeões de corrupção publicado pelo boletim "Transição", do Banco Mundial, o Brasil conquistou o 40º lugar. A lista tem 54 nomes e é feita em ordem decrescente -isto é, os mais honestos vão na frente.
O campeão dos corruptos é a Nigéria, que, numa escala de dez a zero (sendo dez totalmente limpo) tirou 0,6. Com 2,9, o Brasil fica atrás de Turquia, Tailândia, Equador e até da Bolívia.
A lista não é nova, não é original nem pode ser lida como uma foto congelada no tempo. Há um endereço na Internet (http://www.uni-goettingen.de/uwvw/icr.htm) no qual o tema é discutido. Sua divulgação é útil, porque estimula a discussão sobre o que empurra alguns países para cima e outros para baixo.
Seria o povo? Se o Brasil quiser ter mais auto-estima, deve começar jogando fora a idéia de que o povo não presta. Se a medida para a honestidade fosse a falta de conflitos entre os cidadãos, os norte-americanos ficariam em último lugar: o país que tem mais advogados "per capita" no mundo são os Estados Unidos.
A fonte da corrupção não é o indivíduo, mas o desequilíbrio das leis, a fraqueza dos tribunais e a ineficiência do software de acesso à propriedade.
Os Estados Unidos entram na lista dos mais honestos com uma nota de 7,6. Não por acaso, são o país que tem mais famílias com ações em seu patrimônio e mais empresas pequenas e médias "per capita". A Alemanha, com 8,2, está perto de Cingapura, com 8,8, e do Japão, com 7,05. Não existem povos tão diferentes.
O boletim "Transição" não tira tais conclusões, mas diz isto: "Países bem-sucedidos na manutenção de um perfil doméstico limpo podem estar contribuindo para subornar funcionários no exterior".
Em linguagem poética, Brecht disse a mesma coisa, de outra forma: "O homem é mau". Ao cruzar a fronteira, o honesto pode virar corrupto, se o software de acesso à propriedade no país visitado permitir.
Os tribunais são mais vulneráveis quando decidem em cima de uma estrutura desequilibrada.
Na Rússia, a renda gerada por crimes financeiros em 1994 (US$ 17 bilhões) quase alcançou a renda gerada pela agricultura (sic) no mesmo ano, chegando a 6,3% do Produto Interno Bruto. A Rússia aparece em 47º lugar na lista dos corruptos, a sete corpos de distância do Brasil.
Apesar da lista negra, o bloco dos países emergentes, no qual se inclui o Brasil, foi escalado pelos investidores institucionais que participaram dos seminários do FMI-Bird em Washington, em setembro passado, para receber maciças injeções de capital. Com ressalvas: terão que aprofundar as reformas e democratizar a propriedade.
Disse um porta-voz da Intersech Research, uma empresa de pesquisas convidada a falar nos seminários de Washington: "(...) Minha mensagem para vocês vai direto ao ponto: os próximos 25 anos pertencem aos países emergentes e seus mercados financeiros. O dinheiro estrangeiro vai fluir em sua direção com um poder mais penetrante do que 'El Niño' (o fenômeno que esquenta as águas do Pacífico). Preparem-se para cavalgá-lo. Ou para combatê-lo."
Segundo a Intersech, os ativos em ações de norte-americanos em países emergentes devem dobrar entre 1995 e o ano 2000. Como organizar esse enorme fluxo de dinheiro entre sistemas diferentes, que estimulam ou desestimulam a corrupção?
Prevendo o crescimento rápido das operações "cross-border" (transfronteiras) de compra de ações ou controle patrimonial, os legisladores dos países exportadores de capitais trataram de mudar seu software. Primeiro passo: igualaram as penas para delitos (como o uso de informação privilegiada) praticados no mercado doméstico ou no exterior.
Quem mais se beneficiará dessa tendência serão os países que melhor organizarem mercados com alta liquidez para as ações (possibilidade de compra e venda a qualquer momento) e incentivarem os subscritores primários de capital fixo ("underwriters").
Submetidos ao império da lei globalizada, administradores com mandato para realizar operações transfronteiras não querem saber de países com Bolsas fracas e burocracias que preferem negociar investimentos por baixo do pano.
Pode ser pura coincidência, mas a lista dos países mais honestos coincide com as maiores capitalizações de mercado (valor das ações negociadas em Bolsa) e maior dispersão da propriedade. Conflitos ficam para os tribunais.

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