São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 1996
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Ronaldinho é garotão, mas viajado e escolado

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Fico imaginando que Zagallo, ao expor seu medo de que a fama suba à cabeça de Ronaldinho como febre letal, pensa em Washington. Poucos haverão de se lembrar de Washington, um negro espigado, juvenil ainda do Guarani, que, de súbito, foi elevado ao trono de Pelé, para, com igual rapidez, despencar na mais funda e real depressão.
Isso foi no início dos anos 70, quando Pelé já se despedia da seleção, e Zagallo buscava o seu substituto entre Paulo César Caju, Rivelino, Carpeggiani ou quem mais se habilitasse ao impossível. Eis que, num treino entre a seleção principal e a de juniores, a comissão técnica, em peso, caiu aos pés daquele menino, saudando-o como o novo rei. Chegaram, inclusive, a desligar Washington da sua delegação para continuar o treino entre os titulares.
O garoto, que era habilidoso, inteligente e extremamente elegante no trato com a bola, não resistiu um mês ao peso da coroa real com que ungiram sua cabecinha.
Washington levou anos para se recuperar do trauma e conseguir uma vaga na multidão dos anônimos que povoam nossos campos de futebol.
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Esse não me parece ser o caso de Ronaldinho. Embora muito jovem -está agora com 20 aninhos-, já passou há tempos por essa provação. Revelou-se aos 17 anos num time grande brasileiro, como o Cruzeiro. Aos 18, já era artilheiro festejado na Holanda, onde provou a amarga experiência de séria contusão, e integrante da turma que nos trouxe o caneco dos EUA. E hoje é rei em Barcelona. Como se vê, garotão, sim, mas viajado e escolado. Além do mais, quem o conhece, percebe logo que se trata de um moço articulado e de boa índole, que curte a celebridade como um nobre de estirpe maneja as pratas e os cristais.
Sem encucações.
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Quanto a essa história de que segura demais a bola, trata-se de moeda de duas faces.
Claro que, para tudo há limites, mas Ronaldinho sabe disso melhor do que ninguém. Tanto sabe que faz, como no lance que resultou no gol de Giovanni, na última goleada do Barcelona, uma arrancada de Ronaldinho que se concluiu na assistência ao companheiro melhor colocado para a finalização.
Mas, para tanto, é preciso que Ronaldinho tenha alternativas. Se o isolarmos lá na frente, quando a bola chegar, não lhe restará outra opção senão a de partir para o gol a qualquer custo.
E é aqui que Zagallo entra: se quiser integrar Ronaldinho ao grupo, reduzindo seu individualismo, mande o pessoal chegar junto com ele na zona de decisão, e verá como esse menino é também generoso. Não muito, mas o suficiente.

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