São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 1996
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Homenagens: a ditadores ou a democratas?

ODED GRAJEW

Democracia! Por ela, tantas páginas foram escritas, tantos discursos proferidos, tantas esperanças depositadas, tanto sangue derramado.
Os democratas acreditam que os direitos humanos, a fraternidade, a liberdade, a dignidade, a qualidade de vida e a justiça social têm mais chances de serem alcançados no sistema democrático. E, de fato, os países que tiveram mais tempo de vigência de democracia, instituições democráticas mais aperfeiçoadas e consolidadas, são países que, comparativamente, respeitam mais os direitos humanos. A justiça é mais equitativa, a renda é melhor distribuída, as crianças, as mulheres, os idosos e os aposentados são mais valorizados. As chances de paz no mundo são também maiores à medida que a democracia avança. A história não registra nenhum caso de guerra entre duas democracias. Os conflitos sempre envolvem uma ou mais ditaduras.
O Brasil tem uma curta história de democracia. A última ditadura durou aproximadamente 20 anos. Sua herança econômica, social e cultural é muito pesada.
Temos a pior distribuição de renda no mundo. As crianças e os idosos são pessimamente tratados. Saúde e educação públicas estão deterioradas. A nossa Justiça é a justiça das elites, e só pobre vai para a cadeia. O sistema político é excludente (por exemplo, a desproporção na representação dos cidadãos no Congresso Nacional). Como um dos resultados de tudo isso, a violência explode em todos os cantos, numa verdadeira guerra civil informal.
A ditadura militar foi derrubada. Mas os seus entulhos continuam impedindo o avanço de nossa democracia. Logradouros públicos continuam ostentando nomes de ditadores (rodovia Presidente Castelo Branco, avenida Presidente Médici, elevado Costa e Silva etc.). Ministros que serviram à ditadura são convidados a ocupar cargos públicos de extrema importância e, frequentemente, recebem condecorações oficiais. A morte do general Geisel foi motivo de decretação de luto oficial, e a bandeira brasileira foi hasteada a meio pau.
Tudo isso seria absolutamente inconcebível num país que valoriza a democracia. Haveria um escândalo na Espanha, em Portugal, na França, na Itália e até na Rússia se alguém tentasse homenagear Franco, Salazar, Pétain, Mussolini, Stálin ou algum dos seus colaboradores.
Os íntimos colaboradores da ditadura brasileira são elegíveis e se elegem usufruindo dos benefícios angariados durante a ditadura (recursos financeiros, concessões de emissoras de rádio e TV, favorecimentos políticos etc.). Aproveitam-se do sistema político, eleitoral e jurídico montado durante o regime militar. Fizeram da desinformação e da miséria ferramentas para a montagem de seus currais eleitorais. Viraram "democreiros" se apropriando da grife "Democracia", posando de paladinos da liberdade política para se legitimar e tentar apagar o obscuro passado (caso recente do prefeito Paulo Maluf).
Não podemos esquecer que essas pessoas foram responsáveis por derrubar e cassar direitos políticos de pessoas eleitas pelo povo, unicamente por discordarem de suas posturas ideológicas. Fecharam o Congresso. Violentaram e suspenderam as liberdades políticas e individuais. Prenderam, torturaram, exilaram e mataram pessoas por suas idéias políticas.
Enquanto não colocarmos um claro divisor de águas entre ditadura e democracia, teremos sempre uma democracia de fachada extremamente contaminada por ranços autoritários. Não haverá uma clara referência para a nossa população e, especialmente, para os jovens, e a repressão será sempre vista como a melhor solução para nossos problemas sociais. Valorizar a democracia, homenagear democratas e não ditadores, significa liberar e abrir as asas do Brasil para voar e alcançar mais liberdade, dignidade e justiça.

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