São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 1996
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Reformas, que reformas?

CELSO PINTO

Tanto o governo quanto o mercado insistem que, sem as reformas administrativa e da Previdência, não será possível equilibrar as contas públicas. Ajuda a vender as reformas no Congresso, mas não é exato. Veja-se o exemplo do pacote fiscal baixado na semana passada. Ele colocou em prática, na marra, medidas contidas nas duas reformas que não dependiam de mudanças constitucionais: extinguiu cargos e acabou com privilégios e benefícios descabidos.
Em vez de um entusiasmado aplauso do mercado, a reação geral foi um certo desdém por seu pequeno impacto sobre os gastos. Se o critério for este, a aprovação das reformas poderá gerar decepção semelhante.
O economista Raul Velloso, respeitado especialista no setor público, convenceu-se há muito tempo disso. O que realmente faria diferença mexer na Constituição é impossível, do ponto de vista político. O que dá para alterar, também é muito difícil, politicamente, e tem um impacto econômico tímido no curto prazo.
As despesas com a Previdência, por exemplo, subiram 90% acima da inflação, entre 88, o ano da Constituição, e o ano passado. Não é por acaso, portanto, que as contas estouraram.
As quatro novidades criadas pela Constituição que mais pressionaram a Previdência, lembra Velloso, foram: 1) o piso de um salário mínimo para os benefícios; 2) incorporar 5 milhões de trabalhadores rurais; 3) garantir reajuste do salário mínimo pela inflação; e 4) recalcular benefícios antigos pelo valor original em salários mínimos.
Alguém ousaria mexer em algum desses itens? É claro que não, até porque foram avanços no "welfare state", com todos os méritos sociais, ainda que sem o menor cuidado em explicar como pagar a conta.
Sem poder mexer nessas áreas, o projeto de reforma vai buscar compensações tentando desacelerar a taxa de entrada no sistema de benefícios, criando pisos por idade e por contribuição etc. Faz sentido, do ponto de vista do equilíbrio do sistema no médio e longo prazos, mas seu impacto é pequeno no curto prazo. Em 92-93, a taxa de aumento dos inativos chegou a 8% ao ano, dando um susto no governo. Velloso diz que isso foi reflexo, principalmente, da mudança no regime jurídico do funcionalismo em 91, já prevista e que ampliava as vantagens. Por essa razão, muitos funcionários esperaram a mudança para se aposentar.
O peso dos inativos sobre os gastos de pessoal explodiu e chegou a 42% do total no caso da União e 50% no caso dos Estados. Parecia o caminho do desastre, ainda mais que a discussão das reformas acabou levando outro contingente de funcionários a apressar a aposentadoria com medo das mudanças.
O que aconteceu, contudo, argumenta Velloso, é que a taxa de crescimento dos inativos foi-se acomodando e hoje está em 3,2%. Ótima notícia, mas torna relativo o peso das mudanças da Previdência, que tentam desacelerar o ingresso de novos aposentados.
Já o principal item da reforma administrativa, razão do apoio dos governadores a ela, é o fim da estabilidade. Faz sentido, mas quantos funcionários serão demitidos se a reforma virar lei?
Velloso, que tem assessorado alguns governos estaduais, suspeita que poucos. Por uma razão básica. Na maioria dos Estados, diz ele, ainda existe um grande contingente de funcionários não estáveis que poderiam ser legalmente demitidos e continuam trabalhando. Ou porque o governador reluta em demitir, ou porque já demitiu um número razoável e fica difícil, politicamente, aumentar muito esse número no curto prazo. O fim da estabilidade não eliminará esses constrangimentos nem para o governo federal nem para os estaduais.
Isso não quer dizer que as reformas não sejam importantes para a racionalidade e o equilíbrio do setor público no médio prazo. No curto prazo, contudo, pesa muito mais saber, por exemplo, qual o critério de aumento do funcionalismo e do salário mínimo. Reajustar o funcionalismo pela inflação futura e não passada, em janeiro, como promete o governo, poderá economizar tanto dinheiro quanto todo o pacote nessa área da semana passada.

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