São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 1996
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Crianças e assédio sexual

LUIZA NAGIB ELUF

No período de uma semana (final de setembro e começo de outubro deste ano), duas crianças foram punidas pela prática de assédio sexual em suas escolas, nos Estados Unidos. A primeira foi Jonathan Prevette, de 6 anos, que beijou o rosto de uma coleguinha, na Carolina do Norte. A segunda foi De'Andre Dearinge, de 7 anos, que também beijou uma colega de classe, em Nova York.
Ambos foram suspensos das aulas, o que é uma punição severa. As diretoras das escolas alegaram "quebra de um código de comportamento" criado para evitar assédio sexual.
Temos poucos elementos para analisar esses casos concretos, mas, à primeira vista, parecem um rematado absurdo. Em termos gerais e conceituais, é preciso esclarecer melhor o que "assédio sexual" significa.
É evidente que a figura do assédio foi criada porque as mulheres, que hoje têm voz e direito de serem ouvidas, reclamam do frequente desrespeito de que são alvo quando procuram ocupar seus espaços na esfera pública. Tanto na escola e no trabalho como nas ruas, bares e restaurantes é comum ver homens provocando mulheres com palavras ou atos de caráter sexual, de forma constrangedora e profundamente desrespeitosa.
As mulheres, que atualmente ocupam cargos de direção e decisão, principalmente nos EUA, estão mobilizadas para reverter a todo custo esta situação. Com razão.
Exageros, porém, precisam ser evitados, até para não expor a idéia do assédio sexual ao ridículo. Aos 6 ou 7 anos, um menino ainda não faz idéia daquilo que seja assédio sexual, mas sabe o que significa respeitar suas colegas. O fundamental é esclarecer se o beijo feriu os sentimentos da menina, causou-lhe algum constrangimento ou mesmo extrema repulsa ou se, ao contrário, foi uma demonstração de afeto que muito a agradou.
Não se pode encarar as mulheres como seres tão frágeis e incapazes de ter desejos. Nos casos americanos, as meninas foram tratadas como vítimas pelo simples fato de serem mulheres, e isso depõe contra a emancipação feminina.
A punição das crianças retrata, de forma bastante simbólica, a confusão que o patriarcado criou nas relações sociais. Não foram as feministas que geraram tal situação, e é injusto culpá-las exclusivamente. Se houvesse igualdade de gênero, não haveria assédio sexual. As mulheres não se sentiriam sempre prejudicadas, e os homens não se atreveriam ao desrespeito. É preciso mudar o "contrato sexual", como diz Carole Pateman, e essa mudança será melhor para todos.

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