São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 1996
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Mulher joga caixa de cinzas do pai no mar

Para ela, pacote viajaria até a Hungria
WAGNER OLIVEIRA

WAGNER OLIVEIRA; FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA

FAUSTO SIQUEIRA
Uma pequena caixa de madeira encalhada na areia da praia do Gonzaguinha (Santos, no litoral sul de SP), tomada ontem como contrabando por um banhista, revelou-se a tentativa de uma filha de mandar o pai morto de volta à sua cidade natal, hoje na Romênia.
O banhista Elcio Machado encontrou a caixa e, por pensar que era contrabando, levou o pacote até o posto dos bombeiros.
O sargento Vilson Klen encontrou um bilhete escrito pela aposentada Enide Emilia Fillinger, 72, desvendando a história da caixa.
No bilhete, a aposentada dizia que dentro da caixa estavam as cinzas do corpo de seu pai, o húngaro Júlio Fillinger, morto há 15 anos em São Paulo.
Ela dizia ainda querer realizar o sonho do pai, que era um dia voltar à cidade natal, Lugoj (lê-se Lugush), pertencente à Hungria no passado e hoje à Romênia.
Na companhia de uma amiga, Enide foi ontem de táxi até São Vicente. Chegando à ponte pêncil, perguntou a um pescador de que lado ficava o alto-mar.
A aposentada atirou então a caixa ao mar. Achava que assim o material chegaria até a Hungria, realizando o sonho do pai.
"Eu sabia que a Hungria não tem mar, mas há lá o rio Danúbio. Se não chegasse lá, ficaria contente se chegasse a algum país da Europa, e de lá eles encaminhariam as cinzas para Lugoj", disse.
Taxa
Os problemas com as cinzas do pai começaram há cerca de dois meses, quando a aposentada teve de pagar uma taxa de manutenção de R$ 80 ao cemitério São Paulo, onde o material estava depositado.
"Achei a taxa muito cara. Por isso decidi tirar o material de lá", afirmou. As cinzas ficaram em sua apartamento, no centro.
Hitler
O húngaro Júlio Fillinger nasceu em 1891. Veio para o Brasil em 1913 e morreu em 1981.
Casou-se aqui com uma prima e nunca mais voltou à Hungria. A aposentada disse que nunca quis ir à Hungria.
"Os russos e o Hitler acabaram com todos os nossos parentes lá. Acho que não restou mais ninguém", disse.
Enide volta amanhã a Santos para pegar as cinzas do pai. Ela já tomou uma decisão. Vai jogá-las no jardim do crematório de Vila Alpina, em São Paulo.
Ela afirma ter tirado uma conclusão da história: "Acho que, no fundo, meu pai não queria mesmo voltar para a Hungria".

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